O NASCIMENTO DE HÉRCULES
Finda-se a longa noite de Zeus com a bela Alcmena. Ele retorna ao
Olimpo. Deixa, porém, na Terra, com Alcmena, a sua semente. O embrião daquele
que viria a ser, em todos os tempos, o mais cultuado dos heróis da humanidade:
Hércules.
Volta Anfitreão do campo de batalha e conta, vitorioso, para a esposa,
tudo o que lá ocorrera, exatamente igual ao que a ela contara Zeus. Até a
taça-troféu ele mostra à Alcmena. Ela, obviamente não demonstra a mínima
surpresa pelo que lhe é contado. Anfitreão estranha a atitude da esposa e fica
espantado quando ela demonstra já saber de tudo o que no campo de batalha
ocorrera. Inclusive pormenores de como fora conseguido o troféu, solenemente
exibido por Anfitreão. Profundamente encabulado por tais fatos, vai Anfitreão
consultar o famoso adivinho Tirésias de Tebas que fisicamente cego, enxerga em
outras dimensões, e tudo adivinha. Ele conta então a Anfitreão o que se havia
passado entre Alcmena e Zeus. Anfitreão não acredita muito na história da
interferência de Zeus, mas está convencido de que foi traído – possivelmente
por algum dos seus subalternos que antes dele voltou dos campos de batalha e
tudo contou a Alcmena. Desesperado de ciúme, nem mesmo aceita a hipótese –
honrosa – de ter sido preterido por um deus, numa relação sexual com a esposa.
Desesperado, enlouquecido quase, prepara uma pira, amarra nela Alcmena e toca
fogo.
Zeus quando vê a sua amada (porque ele a amou realmente), e o seu filho
ameaçados de serem devorados pelo fogo, envia forte chuva sobre a pira onde
Alcmena estava amarrada – num dia claro, sem a menor indicação de chuva – e
apaga o fogo. Anfitreão vê, então, na inesperada chuva, a proteção de Zeus e,
conformado, (este é o termo), passa a aceitar a divina interferência na sua
vida familiar. Reconcilia-se com Alcmena, que vê na louca atitude do esposo
mais uma prova de seu grande amor por ela, e têm, os dois, uma noite de intenso
amor. Fica Alcmena grávida de dois filhos: um, humano, filho de Anfitreão, que
viria chamar-se Íficles; o outro, um semideus, filho de Zeus, que se tornou
famoso como Heraklês ou Hércules.
Zeus, do Olimpo, acompanha o processo do seu filho em gestação.
Proclama, feliz, nos banquetes olímpicos, que agora vai ter um mecenas capaz de
governar a Grécia (o mundo então conhecido). A deusa Hera, sua mulher, toma
conhecimento das declarações do esposo e resolve destruir o filho de Zeus com
Alcmena. Prevalecia então na Grécia o direito de primogenitura determinando
herdar o trono o filho primogênito da família real. Esténelo, primo de Alcmena,
portanto da mesma família, ia ser pai. O seu filho deveria nascer mais ou menos
na mesma época do nascimento do filho de Alcmena. O que nascesse antes herdaria
o trono. A família se dividia entre um e outro herdeiro, criando, assim, uma
grande expectativa sobre o futuro rei de Micenas.
Zeus, sabendo que o filho de Alcmena, o filho dele nasceria primeiro,
decretou que o primeiro entre os dois nascidos dominaria o segundo, e que este
seria obrigado a prestar serviços ao outro. A deusa Hera, ouvindo isto, manda
chamar Ilítia, a deusa do Parto, e ordena-lhe que antecipe para sete meses o
nascimento do filho de Estênelo e retarde para dez meses o nascimento do filho
de Alcmena. A deusa Ilítia obedece. Nasce Euristeu, futuro rei de Micenas, de
sete meses, e Hércules, seu primo, de dez meses, perdendo este o direito ao
trono. Frustra -se, assim, o primeiro passo nos planos de Zeus, para unificação
de todos os reinos da Grécia, de então.
Simbolismos e Ensinamentos
O número 7 na simbologia dos Estudos Esotéricos da Numerologia e nos
ensinamentos de Antigas Escolas de Mistérios representa o poder espiritual no
homem. Simboliza a natureza setenária do ser humano. É a união do quaternário
inferior, os quatro corpos dos planos inferiores: físico, astral (ou emocional),
mental e etérico com o ternário superior, representados pelos três corpos
superiores: o Cristo Pessoal, o Corpo Causal, e a Presença do EU SOU. Os quatro
primeiros (os inferiores) encontram-se envolvidos nos planos (níveis) da
Matéria; os três últimos atuam nos planos superiores, do Espírito. Euristeu
nasceu de sete meses, mas por antecipação. Não foi, portanto, beneficiado com o
Poder Espiritual. Embora gozasse da proteção da deusa Hera, não possuía, em si
mesmo, este Poder. O número 10 é o número do homem perfeito (7+3=10= a Divina
Criação, o homem com o Poder Espiritual). Hércules nasce de dez meses. Foi
projetado para o futuro. Nasceu com todos os poderes aflorados.
(O ciúme de Hera)
O ciúme de Hera nada tem de pessoal. Ela simboliza o aspecto dual de
Zeus, é a sua contraparte. É a esposa e irmã. Protetora das mulheres casadas,
representa, inflexível, as estruturas existentes, os aspectos morais e éticos
mais tradicionais. Zeus encarna a figura patriarcal da família de deuses do
Olimpo: bondoso, às vezes exigente e severo. Justo mais amoroso. De tudo sabe e
tudo vê. Permite, entretanto, as deturpações de seus divinos aspectos porque
sabe que na prática dessa dialética repousa o equilíbrio que norteia todas as
ações divinas no Universo.
Nos ensinamentos da Cabala, na “Árvore da Vida’’, a segunda tríade de
Sefirot (Sefirot em número de dez, são as emanações de Deus), é formada por
Besed (ou Gedulah), Gevurah ou (Din) e Tiferet. Besed repesenta a extrema
Misericórdia, o extremo Amor; Gevurah representa Força, Severidade, Poder e,
também, Julgamento ou Justiça. Este par de opostos: o extremo Amor e
Misericórdia de um lado e a extrema Severidade e Julgamento, do outro, dá o
equilíbrio que os sustenta e os regula mutuamente. Equilíbrio este representado
pelo sefirat (singular de sefirot), Tiferet no centro, que significa “Beleza”,
“Adorno”.
“Besed e Gevurah são dois lados da personalidade divina: o amor que flui
livremente e o julgamento rigoroso; a graça e a limitação. Se o Julgamento não
for amenizado pelo Amor, Din ataca violentamente e ameaça a vida”.
A interferência da deusa Hera nos destinos de Hércules, antes mesmo de
ele nascer, significa que o ser humano traz, antes mesmo do nascimento, o seu
destino delineado. Todavia, nas sucessivas e várias reencarnações aqui na
Terra, tem ele oportunidade de mudar – para melhor ou para pior, usando o
livre-arbítrio, - o seu próprio destino. Ao percorrermos a “Roda do Nascimento
e Morte” ou a ”Lei de Samsãra” como denomina a antiga tradição hindu aos ciclos
das reencarnações no plano terrestre, somos levados – antes de cada encarnação
– a escolher a família, a comunidade e até mesmo o país ou continente onde
vamos reencarnar. Tal escolha é feita levando-se em consideração envolvimentos
cármicos remanescentes de vidas passadas – gerados em nível coletivo – que
devem ser resgatados no estágio desta vida ou projetados para vidas futuras,
acrescidos ou não de novos carmas, a depender de nosso comportamento no atual
estágio da vida.
Carma quer dizer ação. É a execução da lei de causa e efeito na
contabilidade cósmica. Um débito que contraímos, quando violentamos, com nossos
atos, o equilíbrio das leis do Universo. Mas é, também, um crédito que obtemos,
quando contribuímos com nossos atos para a manutenção desse equilíbrio. Tem,
portanto, o ser humano, nos estágios de suas várias vidas na Terra – graças às
reencarnações – oportunidade de equilibrar as colunas débito/crédito, ou então
aumentar o vermelho do desequilíbrio no livro dos registros acashicos, (8)
transferindo para futuras encarnações, o inapelável e grande acerto de contas.
Hércules e Euristeu tiveram o destino de suas vidas traçados antes dos
respectivos nascimentos. A Euristeu coube um trono, um reino para governar; a
Hércules, um caminho a seguir, uma senda a percorrer na busca da imortalidade.
Ambos os caminhos – como todos os da vida do ser humano na Terra – são
geradores de carma. O uso do livre-arbítrio – corretamente ou não – por cada
um, vai definir a duração de sua longa viagem de volta à eternidade.
(O duplo nascimento de Hércules e
Íficles)
O simbolismo do duplo nascimento de Hércules e de Íficles significa a
separação entre o filho de Deus e o filho do homem. Dizem os Textos Sagrados:
“Quando os Pitris Solaris caminhavam sobre a Terra, o homem era divino, porque
só havia a perfeição e a equanimidade. Quando os homens começaram a se vestir
de vícios, os homens se tornaram filhos dos homens”. Nos primórdios da Raça
Raiz – a raça Lemuriana (9) – épocas remotíssimas, em continentes hoje
submersos, ensinam a História Sagrada e a Antiga Tradição, o ser humano
recém-adquirira sua forma atual, mas não possuía, ainda, a consciência. Vagava
a esmo, inconsciente e néscio, pela Terra. Vivia então o homem em condições
paradisíacas, mas títere das Hierarquias Superiores.
Os Pitris Solares (Pitri=Pai) ou Elohim, poderosos seres espirituais,
altamente evoluídos – verdadeiros deuses – apiedaram-se da triste condição
humana e deram ao homem o poder mental, a faculdade de pensar, a consciência, o
saber discernir entre o fazer e o não fazer; o poder da vontade – qualidades
inerentes aos deuses e que tornaram os seres humanos diferentes dos outros
animais que povoam a Terra. Deram, assim, os Pitris Solares ao ser humano o
livre-arbítrio, a capacidade de poder escolher por sua livre vontade, suas
ações e atos, o caminho a seguir em sua jornada na Terra.
Deram aos seres humanos, desta forma, a centelha divina da imortalidade.
Mas lhes deram, também, com tais qualidades, a enorme responsabilidade (a cada
direito corresponde um dever) de arcar com o ônus, o preço de u’a má aplicação
destas qualidades divinas que recebeu. E o ser humano – através dos milênios –
vem deturpando o seu uso, gerando densos carmas - lei de causa e efeito –
necessitando, em consequência, de várias encarnações na Terra – e somente em
vidas na Terra – para, aprendendo como usar as divinas qualidades, resgatar
carmas formados, nesta ou em outras vidas. Compete, pois, ao ser humano, usando
do livre-arbítrio, escolher entre ser um filho de Deus ou ser um filho do
homem. Ser Abel ou ser Caim.
(Forte chuva apaga o fogo da pira)
A forte chuva enviada por Zeus para apagar o fogo da pira que ameaçava
Alcmena, simboliza, de acordo com uma das variantes do Mito (um mito tem muitas
variantes) as dádivas divinas para a humanidade. Água caída do céu é
abundância, é fartura, é vida. Significa a proteção que os filhos da Terra têm
de Deus, quando vítimas de injustiças, (como Alcmena), de falsos e precipitados
julgamentos e incompreensões.
A DUALIDADE ZEUS/HERA
Nasce Hércules, em Tebas, filho de Zeus com a mortal Alcmena, possuindo
todos os poderes aflorados. A deusa Hera não satisfeita em ter-lhe tirado o
trono, planeja tirar-lhe a vida. Ao completar Hércules oito meses de nascido,
brincava na cama com o seu irmão Íficles, quando duas enormes serpentes
enviadas por Hera aproximam-se do leito e, ferozes, atacam Hércules. Íficles,
desesperado de medo grita aos berros, atraindo a atenção dos pais que acorrem
aflitos ao quarto dos meninos. Anfitreão, militar, já viera de espada em punho.
Ao chegar à entrada do quarto e olhar na direção da cama onde estão as
crianças, tem, perplexo, enorme surpresa: Hércules já havia agarrado as
monstruosas serpentes pelas guelras e, uma em cada mão, mata as duas.
Anfitreão, a partir daquele momento, se ainda guardava, lá no cantinho de sua
cabeça, alguma dúvida quanto à origem divina da paternidade de Hércules, esta
se apagou completamente com a morte das duas serpentes gigantescas. Ficou
totalmente convencido de que Hércules era realmente filho de Zeus e que Íficles
era seu filho. “Um, filho de Deus; o outro, um filho do homem”.
Zeus cada vez mais tocado de amor pelo filho, tem para ele, planos bem
mais altos. Quer garantir-lhe a imortalidade, a ascensão ao Olimpo como um
deus. Uma grande dificuldade, no entanto, se interpõe à realização desta
vontade de Zeus. Embora todo-poderoso deus dos deuses, Zeus está sujeito às
leis cósmicas que, em essência, são aspectos dele mesmo (o próprio Deus) e não
podem ser violadas: Para um mortal ascender ao Olimpo, como um deus, teria ele
de ter sido amamentado no peito da deusa Hera, com o leite dela...
Zeus chama, então, o deus Hermes, o mensageiro do Olimpo; o embaixador
das mais delicadas missões do Universo; astuto, perspicaz, sagacíssimo. Era,
por tais qualidades, o deus do comércio, do ganho, da eloquência, e, também,
protetor dos ladrões. Confia-lhe Zeus, a missão quase impossível - até mesmo
para Hermes - de fazer Hera amamentar Hércules. Todos no Olimpo conheciam as
intenções de Hera em relação a Hércules. O deus Hermes, do alto de sua divina
perspicácia, nem de longe cogita de convencer à inflexível Hera a aquiescer em
tão absurda pretensão. Arquiteta um plano e fica à espreita, aguardando o
momento exato para aplicá-lo. E o momento exato surge quando Hera adormece.
Hermes mais veloz que um raio, desce à Terra, apanha Hércules, leva-o ao Olimpo
e coloca a sua pequena boca no seio de Hera adormecida. Hércules suga o seio da
deusa com tanta força que ela acorda e retira tão violentamente o seio da boca
de Hércules que o leite se derrama. Hermes, tão veloz quanto veio, traz de
volta Hércules para a Terra deixando Hera na dúvida se teria a criança sorvido
ou não o seu leite. Diz a Mitologia que o leite de Hera então derramado
espalhou-se pelo céu, formando a Via Láctea.
Simbolismos e Ensinamentos
Hera quer matar Hércules; Zeus quer dar-lhe a imortalidade. Esta parte
do Mito marca profundamente o aspecto dual que existe no divino casal. Esta
dualidade está presente no comportamento de todos os deuses olímpicos, deuses
que, na verdade, são os aspectos divinos do casal Zeus/Hera. A percepção desta
dualidade leva à compreensão das aparentes contradições muitas vezes presentes
nos atos e ações dos deuses do Olimpo, todos envolvidos num mesmo contexto
dialético. Tal entendimento fará mudar o tradicional conceito de um Deus severo
e inflexível, por vezes irascível e intolerante, para um Deus humanizado,
compreensivo, justo e bom, muito mais próximo, portanto, das emoções humanas e
de nossas justificáveis contradições.
Outro aspecto que os mitos mostram através do simbolismo é a semelhança
que há nos hábitos e comportamentos dos seres humanos que teriam existido há
milênios, com o nossos, do dia a dia atual. A exigência para um mortal ascender
ao Olimpo, como um deus, de ter sido ele amamentado por Hera, significa a
prevalência do poder matriarcal nos assuntos domésticos. O Olimpo era a “casa”
dos deuses e, “na casa”, quem manda é a mulher. A deusa Hera, protetora das
mulheres casadas, representava o poder feminino no lar, a família
tradicionalmente constituída. É muito comum vê-se, hoje, nas regiões rurais,
geralmente em casas mais humildes, um pequeno quadro, numa pequena moldura,
dependurado na parede da sala de entrada da casa com o desenho de uma casinha
lá no fundo, e uma legenda: ”a casa é minha, mas quem manda é a minha mulher”.
Presumivelmente quem diz isso é o marido. É um aviso para quem chega: somente
fica ali, quem a “dona da casa” quiser.
O fato de o deus Hermes ter usado de um artifício para conseguir fazer
Hércules ser amamentado no seio de Hera, reforça mais ainda a semelhança dos
hábitos e costumes antigos com os atuais. Houve, inegavelmente, uma clara burla
à intenção da lei, porque na exigência da amamentação divina está implícito o
consentimento da deusa para o ingresso do postulante ao Olimpo. Houve a
amamentação, mas não houve o consentimento. O ritual foi cumprido, mas a
intenção da lei foi ignorada.
E quantas vezes isso não ocorre em nossos melhores tribunais?! Comentam
profissionais envolvidos na área jurídica, haver existido um Juiz de Direito
(já falecido) que repetia sempre, à guisa de axioma: ”A Lei é como a
virgindade: foi feita para ser violada...” Por outro lado o comportamento – bem
sucedido – do deus Hermes na sua missão, mostra que a estrutura inflexível que
Hera representa, vai aos poucos sendo modificada obedecendo a um processo
dialético, que leva à síntese do Caminho do Meio que nos ensina o amado
Gautama, o Buda. Senhor do Mundo, nos ensinamentos da Fraternidade dos Guardiães
da Chama.
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