10º TRABALHO
BUSCAR O CÃO CÉRBERO,
O GUARDIÃO DO INFERNO
(1ª Parte)
O Mito
O rei Euristeu, com toda a sua arrogância e orgulho, um dia amanhece
doente. Tenta levantar-se da cama e não consegue. Uma forte tontura, respiração
ofegante, dores por todo o corpo prostram-no sobre o leito e ele mal pode
falar. É invadido por um pavoroso medo da morte. Os médicos da corte -
esculápios de plantão - correm a socorrê-lo. Após longas discussões e muitas
discordâncias quanto ao real diagnóstico, concordam na aplicação dos
medicamentos que poderiam curar o medroso e apavorado monarca.
Este foi fisicamente curado. O fantasma da morte, contudo, permanece
como u’a sombra, a infernar a frágil mente real. De tanto pensar na morte – e
preocupado com o seu próprio destino, depois dela – lembrou-se que no Inferno,
o pavoroso reino de Hades, diziam ter um feroz guardião de sua entrada, o
famoso cão Cérbero, monstruoso animal de três cabeças diferentes, um corpo de
serpente e cauda de dragão. Dia e noite ele guarda a porta do Inferno – os
domínios de Hades – e, curiosamente, faz festa para todos quantos vão entrando
no infernal domínio e, ferozmente, não permite a saída de quem lá entrou. Os
seis olhos implantados nas suas três diferentes cabeças são permanentes
vigilantes. De suas três gargantas saem urros ensurdecedores. Quando algum
infeliz, arrependido de ter transposto aquela tenebrosa entrada, tenta voltar,
é logo envolvido pelo corpo serpentino daquele monstruoso animal e é
impiedosamente chicoteado por sua longa cauda de dragão.
Euristeu, consumido pelo pavor de morrer e ir para o Inferno, arquiteta
o mais louco dos planos: - “... e se Cérbero viesse para o palácio real, fosse
ali domesticado e devolvido para a sua vigília...” – pensa Euristeu – “quando
ele, Euristeu, morresse e caso fosse para o Inferno” (coisa, aliás, de que
muito duvida, porquanto se julga muito bondoso), “poderia entrar e sair de lá
quando quisesse...” Manda chamar Hércules e lhe diz:
- Desça aos domínios de Hades e traga-me de lá o cão Cérbero! Vivo!
Hércules, sem dizer palavra, curva-se, humilde, perante Euristeu e sai
de palácio. Vai meditar, refletir, pensar sobre aquela sua nova tarefa e como
executá-la. Sabe Hércules, no grau de conhecimento em que se encontra na senda
evolutiva, que este Trabalho vai exigir dele uma atuação bem diferente das
usadas nos trabalhos anteriores. Sabe, ele, que não será a sua imensa força
física, nem mesmo os métodos usados nos Trabalhos anteriores que lhe irão
auxiliar na realização desta nova tarefa. Ele agora vai envolver-se com outros
níveis de energias – energias de outros planos que não os da Terra. Vai atuar,
agora, nas densas energias dos subterrâneos e sombrios planos infernais.
Na realização deste Trabalho – e disso Hércules sabe – vai prevalecer o
conhecimento das leis que regulam tais energias e no saber como manipulá-las.
Isto vai exigir dele uma cuidadosa preparação e obtenção daqueles conhecimentos
e informações que lhe permitam conduzir, com bom êxito, a execução da nova
tarefa.
Simbolismos e Ensinamentos
Embora arrogância e orgulho não estejam entre os males classificados de
doenças, são anomalias no ser humano, portanto anormalidades que interferem
danosamente no seu comportamento. Formam, assim, as doenças da alma e exigem do
ser humano um grande esforço para o seu tratamento – de difícil aplicação –
porquanto elas atingem não a pessoa portadora do mal, mas quantos em suas
proximidades se encontram. O primeiro passo para a sua cura – e o mais difícil
– é o doente conscientizar-se que está doente e tomar consciência de que é
orgulhoso e vaidoso – coisa que dificilmente acontece.
A doença - a física - de Euristeu – e sua preocupação sobre a morte –
vieram reforçar o ensinamento de que a aflição e a dor são caminhos que levam o
ser humano à reflexão sobre o seu destino. Euristeu nas dores e aflições da
doença que o mantinham no leito, refletiu sobre o seu próprio destino em
relação á morte, após ela. Como a energia da sua mente estava envolvida com
aspectos negativos de sua vida, verificou-se uma deformação do caráter da
reflexão – que traz sempre paz e harmonia interior – e ele, logo, pensou nos
Infernos – desarmonia. Para onde, aliás, ele não acredita que vá, por
considerar-se muito bonzinho!...
Este ensinamento mostra que a grande maioria das pessoas não pratica
atos condenáveis conscientemente. Pratica-os como um presumível direito seu de
autodefesa. (Euristeu tinha medo de Hércules tomar o trono que ele ocupava e,
por isso, queria mantê-lo, sempre, o mais longe possível). O grande mal está em
que, ao exercitar suas presumíveis defesas, acarretam, às vezes, devastadoras consequências
a terceiros, sem que tenham, insensivelmente, a menor consciência do mal que
estão causando.
Os agrados e festas do cão Cérbero aos que entram pela porta do Inferno
e os ataques a quem tenta sair, simbolizam as ciladas e os enganos com que se
deparam os seres humanos na vida e, - também na morte - no plano astral, onde
se encontram – nos subplanos mais densos – os domínios de Hades. “O que é em
cima é igual ao que está embaixo”, ensina Hermes Trimegistro (o três vezes
grande). Este é o Princípio Cósmico que vale para qualquer parte do Universo.
Para o macro, como para o microcosmo: tanto para os planos sutis, como para os
mais densos. O Princípio é um só. Os agrados e festas de Cérbero aos que
entram, representam as aparências forjadas por aqueles que, aqui (ou acolá)
pretendem manipular os seres humanos – em corpo, alma e mente – para satisfação
dos seus camuflados e nefastos intentos.
A reflexão de Hércules, no grau evolutivo em que se encontra, leva-o a
reconhecer, humildemente, necessitar ampliar seus conhecimentos sobre as leis
que regem os domínios de Hades e melhor saber como manipulá-las. Avançado
discípulo no mestrado do conhecimento, sabe, ele, que o enfrentamento, com bom
êxito, de qualquer questão, por mais intrincada que seja – em quaisquer níveis,
planos ou lugares do Universo – depende da correta aplicação dos postulados
cósmicos, de respeitoso e humilde acatamento aos mais altos desígnios das
Hierarquias Espirituais. E para descer aos densos planos infernais a fim de
buscar o cão Cérbero, Hércules vai adquirir conhecimentos nos ensinamentos dos
“Mistérios de Elêusis”.
OS MISTÉRIOS DE ELÊUSIS
Aproximava-se a Primavera, época em que, do solo úmido brotam as
sementes fecundadas pelas energias da terra. Na divina alquimia da natureza são
transmutadas em flores e frutos, cobrindo, com o matiz de suas vibrações, os
férteis campos da região de Elêusis, nas proximidades de Atenas, na Grécia
antiga.
Deméter, a deusa da Fecundidade – da terra e dos seres humanos –
aguarda, ansiosa, a chegada da sua jovem filha, a deusa Perséfone, que volta à
superfície da terra, após os seis meses que descera às profundezas
subterrâneas, aos domínios de Hades, o Senhor dos Infernos,que a raptara e a
transformara em sua esposa. Aquele cenário de cores, flores e vida, contrastava
com as tristes vibrações da chegada do Inverno, quando as flores murchavam e as
plantas morriam. Era a volta da jovem deusa Perséfone às profundezas do mundo
subterrâneo onde, em companhia do seu carrancudo esposo Hades, quedava, virgem,
o sono hibernal nos confins da terra, para seis meses depois retornar à
superfície e, pelo mesmo período, encher de felicidade a deusa Deméter, sua
mãe.
Era Elêusis um grande centro de peregrinação, e para onde, anualmente,
na Primavera, acorria à iniciação nos “Mistérios de Elêusis” u’a multidão de
pessoas vindas das várias regiões da Grécia. Distante 20 quilômetros de Atenas,
de onde se ia por um estreito caminho, andando, vagarosamente, lado a lado,
pessoas das mais diferentes classes sociais, desde reis, nobres e servos. Iam
uns, em busca dos secretos conhecimentos que eram passados aos iniciados, sob
severo juramento de nunca os revelar. Muitos outros iam àquela peregrinação em
agradecimento à deusa Deméter, da Fecundidade, pelas benesses da abundância
espalhada na terra pela amada deusa.
Vai Hércules a Elêusis e pede à deusa Deméter, mãe de Perséfone, a
esposa de Hades, Senhor dos Infernos, que o inicie nos “Mistérios de Elêusis”.
Atendido pela deusa no pedido, o que nem sempre ocorria (os solicitantes
passavam por um período de observação) é Hércules introduzido nos
compartimentos internos do Templo e começa o aprendizado à iniciação. Vai
aprender a enfrentar, com sabedoria, a temível face do impiedoso Hades, o
todo-poderoso Senhor dos Infernos. Por muito tempo permanece Hércules isolado
no Templo de Elêusis, absorvendo os ensinamentos dos “Mistérios Eleusinos”, que
lhe foram sendo passados até completar o ciclo final da iniciação e haver
acumulado conhecimentos que o pudessem ajudar na realização do seu Trabalho:
Buscar o Cão Cérbero, o Guardião dos Infernos.
A deusa Deméter, irmã de Hera e de Zeus, nunca habitara o Olimpo.
Morava, com sua jovem filha, na região dos campos Elêusis, nas proximidades de
Atenas. Era a deusa da Agricultura, da fecundidade da terra – e dos homens. Era
a controladora do Tempo; regente das quatro estações do ano. Graças à sua
proteção, eram os solos fertilizados, possibilitando às semeaduras o dadivoso
retorno nas benesses da abundância, da fartura.
Um dia (em épocas imemoriais) corria, alegre, a jovem deusa Perséfone,
pelos coloridos jardins da maternal morada, em companhia de evanescentes
ninfas. Colhia, aqui e ali as mais lindas flores, quando a sua atenção foi
despertada para um lindo jacinto, cuja beleza fascinante – incomum – a atraia
para acariciá-lo. Súbito, no lugar exato onde estava a jovem deusa acariciando
o jacinto, o chão se abre sob seus pés, formando imensa e profunda cratera para
dentro da qual a deusa é tragada. Logo após o desaparecimento da deusa, fecha-se,
misteriosamente, a cratera, sem deixar ali qualquer vestígio.
A demora do retorno da filha leva a deusa-mãe Deméter procurar a jovem
Perséfone. Por toda parte perambula Deméter á procura da filha, sem, contudo,
obter quaisquer notícias suas. Sobe então ao Olimpo e narra a Zeus, pai de
Perséfone, o seu desespero. Este informa à aflita mãe, ter sido sua filha
raptada. Rapto este executado com pleno conhecimento dele, Zeus, pelo irmão
deste e tio da jovem deusa, Hades, Senhor dos Infernos que, vivendo solitário
no seu tenebroso reino, apaixonara-se por Perséfone e resolvera tomá-la por
esposa.
Deméter fica furiosa e exige de Zeus, seu irmão, a volta da filha. Mas
nem o poderoso Zeus pode fazer voltar à superfície da terra a deusa Perséfone.
Ela está nos domínios subterrâneos de Hades, senhor absoluto do Inferno,
sujeita, portanto, a leis que regem aqueles domínios. E tais leis estabelecem
nunca mais retornar à superfície da terra quem, nos infernos, comer, sequer um
grão de trigo. Perséfone aceitara em ser esposa de Hades, comera do trigo que
lhe fora dado, sob a condição de manter-se sempre virgem.
De nada valeram o choro, os rogos e ameaças da desesperada mãe. Zeus,
irredutível, negava-se a interferir junto ao seu irmão Hades, visando o retorno
de Perséfone. No seu profundo desespero Deméter não se conforma com a triste
sorte da filha, condenada a viver eternamente nos tenebrosos subterrâneos de
Hades, entre as lamentosas sombras dos sofredores seres humanos arrebatados
pela morte e ali condenados ao eterno sofrimento.
Assim inconformada sabe Deméter existir u’a única – e drástica – maneira
de forçar Zeus interferir favoravelmente na questão. Resolve adotar contra a
sua natureza – de deusa da Fecundidade – a mais extrema das atitudes: tornar a
terra e os seres humanos inférteis! E pôs logo o plano em prática. Alterou a
composição química dos nutrientes do solo impossibilitando a germinação das
sementes plantadas; desregulou o ciclo das quatro estações do ano; eliminou o
Inverno e com ele o período das chuvas. Suspendeu, permanentemente, nos seres
humanos, o ciclo menstrual das mulheres e estas deixaram de procriar,
tornaram-se estéreis.
Os solos, antes férteis, tornaram-se improdutivos; os rios, caudalosos
que eram, definham-se; sem a evaporação da água – que quase não existia na
terra – não havia mais chuvas, levando a todos as calamidades da seca e a
ameaça de extinção da humanidade, sem procriação. A fartura e a abundância
anterior, transformou-se em escassez e fome sobre a terra. Zeus, do Olimpo,
sabe (“os deuses sabem tudo”) de todo o mal que está ocorrendo e de suas
origens. Resolve pois interferir junto a Hades para “negociar” um acordo com a
deusa Deméter. Hades propõe então à Deméter que durante seis meses no ano
permaneça Perséfone nos infernais subterrâneos, na companhia dele e que os
outros seis meses, passe a jovem filha com a sua mãe Deméter, na superfície da
Terra.
Deméter aceita a proposta e inverte o triste quadro de miséria em que se
encontrava a Terra, fazendo-a retornar a sua antiga fertilidade, com as
mulheres voltando á maternidade, as verdes folhas dos campos novamente
tremulando ao sopro das frescas brisas e os rios transbordantes de vigor nos,
novamente regulares, períodos das chuvas.
E, assim, anualmente, sempre na Primavera, quando as flores voltam a
colorir os belos jardins dos campos de Deméter, retorna Perséfone à superfície
da Terra. Vem sorver os luminosos raios de sol e, no aconchego carinhoso do
calor materno, aí permanece por seis meses. Retorna ao Hades no período invernal,
e, nos escuros e profundos subterrâneos infernais, em companhia do apavorante
esposo, ali permanece por igual período.
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