quarta-feira, 13 de novembro de 2013

10º TRABALHO
BUSCAR O CÃO CÉRBERO,
O GUARDIÃO DO INFERNO
(1ª Parte)
O Mito

O rei Euristeu, com toda a sua arrogância e orgulho, um dia amanhece doente. Tenta levantar-se da cama e não consegue. Uma forte tontura, respiração ofegante, dores por todo o corpo prostram-no sobre o leito e ele mal pode falar. É invadido por um pavoroso medo da morte. Os médicos da corte - esculápios de plantão - correm a socorrê-lo. Após longas discussões e muitas discordâncias quanto ao real diagnóstico, concordam na aplicação dos medicamentos que poderiam curar o medroso e apavorado monarca.

Este foi fisicamente curado. O fantasma da morte, contudo, permanece como u’a sombra, a infernar a frágil mente real. De tanto pensar na morte – e preocupado com o seu próprio destino, depois dela – lembrou-se que no Inferno, o pavoroso reino de Hades, diziam ter um feroz guardião de sua entrada, o famoso cão Cérbero, monstruoso animal de três cabeças diferentes, um corpo de serpente e cauda de dragão. Dia e noite ele guarda a porta do Inferno – os domínios de Hades – e, curiosamente, faz festa para todos quantos vão entrando no infernal domínio e, ferozmente, não permite a saída de quem lá entrou. Os seis olhos implantados nas suas três diferentes cabeças são permanentes vigilantes. De suas três gargantas saem urros ensurdecedores. Quando algum infeliz, arrependido de ter transposto aquela tenebrosa entrada, tenta voltar, é logo envolvido pelo corpo serpentino daquele monstruoso animal e é impiedosamente chicoteado por sua longa cauda de dragão.

Euristeu, consumido pelo pavor de morrer e ir para o Inferno, arquiteta o mais louco dos planos: - “... e se Cérbero viesse para o palácio real, fosse ali domesticado e devolvido para a sua vigília...” – pensa Euristeu – “quando ele, Euristeu, morresse e caso fosse para o Inferno” (coisa, aliás, de que muito duvida, porquanto se julga muito bondoso), “poderia entrar e sair de lá quando quisesse...” Manda chamar Hércules e lhe diz:

- Desça aos domínios de Hades e traga-me de lá o cão Cérbero! Vivo!

Hércules, sem dizer palavra, curva-se, humilde, perante Euristeu e sai de palácio. Vai meditar, refletir, pensar sobre aquela sua nova tarefa e como executá-la. Sabe Hércules, no grau de conhecimento em que se encontra na senda evolutiva, que este Trabalho vai exigir dele uma atuação bem diferente das usadas nos trabalhos anteriores. Sabe, ele, que não será a sua imensa força física, nem mesmo os métodos usados nos Trabalhos anteriores que lhe irão auxiliar na realização desta nova tarefa. Ele agora vai envolver-se com outros níveis de energias – energias de outros planos que não os da Terra. Vai atuar, agora, nas densas energias dos subterrâneos e sombrios planos infernais. 

 Na realização deste Trabalho – e disso Hércules sabe – vai prevalecer o conhecimento das leis que regulam tais energias e no saber como manipulá-las. Isto vai exigir dele uma cuidadosa preparação e obtenção daqueles conhecimentos e informações que lhe permitam conduzir, com bom êxito, a execução da nova tarefa.

Simbolismos e Ensinamentos

Embora arrogância e orgulho não estejam entre os males classificados de doenças, são anomalias no ser humano, portanto anormalidades que interferem danosamente no seu comportamento. Formam, assim, as doenças da alma e exigem do ser humano um grande esforço para o seu tratamento – de difícil aplicação – porquanto elas atingem não a pessoa portadora do mal, mas quantos em suas proximidades se encontram. O primeiro passo para a sua cura – e o mais difícil – é o doente conscientizar-se que está doente e tomar consciência de que é orgulhoso e vaidoso – coisa que dificilmente acontece.

A doença - a física - de Euristeu – e sua preocupação sobre a morte – vieram reforçar o ensinamento de que a aflição e a dor são caminhos que levam o ser humano à reflexão sobre o seu destino. Euristeu nas dores e aflições da doença que o mantinham no leito, refletiu sobre o seu próprio destino em relação á morte, após ela. Como a energia da sua mente estava envolvida com aspectos negativos de sua vida, verificou-se uma deformação do caráter da reflexão – que traz sempre paz e harmonia interior – e ele, logo, pensou nos Infernos – desarmonia. Para onde, aliás, ele não acredita que vá, por considerar-se muito bonzinho!...

Este ensinamento mostra que a grande maioria das pessoas não pratica atos condenáveis conscientemente. Pratica-os como um presumível direito seu de autodefesa. (Euristeu tinha medo de Hércules tomar o trono que ele ocupava e, por isso, queria mantê-lo, sempre, o mais longe possível). O grande mal está em que, ao exercitar suas presumíveis defesas, acarretam, às vezes, devastadoras consequências a terceiros, sem que tenham, insensivelmente, a menor consciência do mal que estão causando.

Os agrados e festas do cão Cérbero aos que entram pela porta do Inferno e os ataques a quem tenta sair, simbolizam as ciladas e os enganos com que se deparam os seres humanos na vida e, - também na morte - no plano astral, onde se encontram – nos subplanos mais densos – os domínios de Hades. “O que é em cima é igual ao que está embaixo”, ensina Hermes Trimegistro (o três vezes grande). Este é o Princípio Cósmico que vale para qualquer parte do Universo. Para o macro, como para o microcosmo: tanto para os planos sutis, como para os mais densos. O Princípio é um só. Os agrados e festas de Cérbero aos que entram, representam as aparências forjadas por aqueles que, aqui (ou acolá) pretendem manipular os seres humanos – em corpo, alma e mente – para satisfação dos seus camuflados e nefastos intentos.

A reflexão de Hércules, no grau evolutivo em que se encontra, leva-o a reconhecer, humildemente, necessitar ampliar seus conhecimentos sobre as leis que regem os domínios de Hades e melhor saber como manipulá-las. Avançado discípulo no mestrado do conhecimento, sabe, ele, que o enfrentamento, com bom êxito, de qualquer questão, por mais intrincada que seja – em quaisquer níveis, planos ou lugares do Universo – depende da correta aplicação dos postulados cósmicos, de respeitoso e humilde acatamento aos mais altos desígnios das Hierarquias Espirituais. E para descer aos densos planos infernais a fim de buscar o cão Cérbero, Hércules vai adquirir conhecimentos nos ensinamentos dos “Mistérios de Elêusis”.

OS MISTÉRIOS DE ELÊUSIS

Aproximava-se a Primavera, época em que, do solo úmido brotam as sementes fecundadas pelas energias da terra. Na divina alquimia da natureza são transmutadas em flores e frutos, cobrindo, com o matiz de suas vibrações, os férteis campos da região de Elêusis, nas proximidades de Atenas, na Grécia antiga.

Deméter, a deusa da Fecundidade – da terra e dos seres humanos – aguarda, ansiosa, a chegada da sua jovem filha, a deusa Perséfone, que volta à superfície da terra, após os seis meses que descera às profundezas subterrâneas, aos domínios de Hades, o Senhor dos Infernos,que a raptara e a transformara em sua esposa. Aquele cenário de cores, flores e vida, contrastava com as tristes vibrações da chegada do Inverno, quando as flores murchavam e as plantas morriam. Era a volta da jovem deusa Perséfone às profundezas do mundo subterrâneo onde, em companhia do seu carrancudo esposo Hades, quedava, virgem, o sono hibernal nos confins da terra, para seis meses depois retornar à superfície e, pelo mesmo período, encher de felicidade a deusa Deméter, sua mãe.

Era Elêusis um grande centro de peregrinação, e para onde, anualmente, na Primavera, acorria à iniciação nos “Mistérios de Elêusis” u’a multidão de pessoas vindas das várias regiões da Grécia. Distante 20 quilômetros de Atenas, de onde se ia por um estreito caminho, andando, vagarosamente, lado a lado, pessoas das mais diferentes classes sociais, desde reis, nobres e servos. Iam uns, em busca dos secretos conhecimentos que eram passados aos iniciados, sob severo juramento de nunca os revelar. Muitos outros iam àquela peregrinação em agradecimento à deusa Deméter, da Fecundidade, pelas benesses da abundância espalhada na terra pela amada deusa.

Vai Hércules a Elêusis e pede à deusa Deméter, mãe de Perséfone, a esposa de Hades, Senhor dos Infernos, que o inicie nos “Mistérios de Elêusis”. Atendido pela deusa no pedido, o que nem sempre ocorria (os solicitantes passavam por um período de observação) é Hércules introduzido nos compartimentos internos do Templo e começa o aprendizado à iniciação. Vai aprender a enfrentar, com sabedoria, a temível face do impiedoso Hades, o todo-poderoso Senhor dos Infernos. Por muito tempo permanece Hércules isolado no Templo de Elêusis, absorvendo os ensinamentos dos “Mistérios Eleusinos”, que lhe foram sendo passados até completar o ciclo final da iniciação e haver acumulado conhecimentos que o pudessem ajudar na realização do seu Trabalho: Buscar o Cão Cérbero, o Guardião dos Infernos.

A deusa Deméter, irmã de Hera e de Zeus, nunca habitara o Olimpo. Morava, com sua jovem filha, na região dos campos Elêusis, nas proximidades de Atenas. Era a deusa da Agricultura, da fecundidade da terra – e dos homens. Era a controladora do Tempo; regente das quatro estações do ano. Graças à sua proteção, eram os solos fertilizados, possibilitando às semeaduras o dadivoso retorno nas benesses da abundância, da fartura.
Um dia (em épocas imemoriais) corria, alegre, a jovem deusa Perséfone, pelos coloridos jardins da maternal morada, em companhia de evanescentes ninfas. Colhia, aqui e ali as mais lindas flores, quando a sua atenção foi despertada para um lindo jacinto, cuja beleza fascinante – incomum – a atraia para acariciá-lo. Súbito, no lugar exato onde estava a jovem deusa acariciando o jacinto, o chão se abre sob seus pés, formando imensa e profunda cratera para dentro da qual a deusa é tragada. Logo após o desaparecimento da deusa, fecha-se, misteriosamente, a cratera, sem deixar ali qualquer vestígio.

A demora do retorno da filha leva a deusa-mãe Deméter procurar a jovem Perséfone. Por toda parte perambula Deméter á procura da filha, sem, contudo, obter quaisquer notícias suas. Sobe então ao Olimpo e narra a Zeus, pai de Perséfone, o seu desespero. Este informa à aflita mãe, ter sido sua filha raptada. Rapto este executado com pleno conhecimento dele, Zeus, pelo irmão deste e tio da jovem deusa, Hades, Senhor dos Infernos que, vivendo solitário no seu tenebroso reino, apaixonara-se por Perséfone e resolvera tomá-la por esposa. 
Deméter fica furiosa e exige de Zeus, seu irmão, a volta da filha. Mas nem o poderoso Zeus pode fazer voltar à superfície da terra a deusa Perséfone. Ela está nos domínios subterrâneos de Hades, senhor absoluto do Inferno, sujeita, portanto, a leis que regem aqueles domínios. E tais leis estabelecem nunca mais retornar à superfície da terra quem, nos infernos, comer, sequer um grão de trigo. Perséfone aceitara em ser esposa de Hades, comera do trigo que lhe fora dado, sob a condição de manter-se sempre virgem.

De nada valeram o choro, os rogos e ameaças da desesperada mãe. Zeus, irredutível, negava-se a interferir junto ao seu irmão Hades, visando o retorno de Perséfone. No seu profundo desespero Deméter não se conforma com a triste sorte da filha, condenada a viver eternamente nos tenebrosos subterrâneos de Hades, entre as lamentosas sombras dos sofredores seres humanos arrebatados pela morte e ali condenados ao eterno sofrimento.
Assim inconformada sabe Deméter existir u’a única – e drástica – maneira de forçar Zeus interferir favoravelmente na questão. Resolve adotar contra a sua natureza – de deusa da Fecundidade – a mais extrema das atitudes: tornar a terra e os seres humanos inférteis! E pôs logo o plano em prática. Alterou a composição química dos nutrientes do solo impossibilitando a germinação das sementes plantadas; desregulou o ciclo das quatro estações do ano; eliminou o Inverno e com ele o período das chuvas. Suspendeu, permanentemente, nos seres humanos, o ciclo menstrual das mulheres e estas deixaram de procriar, tornaram-se estéreis.

Os solos, antes férteis, tornaram-se improdutivos; os rios, caudalosos que eram, definham-se; sem a evaporação da água – que quase não existia na terra – não havia mais chuvas, levando a todos as calamidades da seca e a ameaça de extinção da humanidade, sem procriação. A fartura e a abundância anterior, transformou-se em escassez e fome sobre a terra. Zeus, do Olimpo, sabe (“os deuses sabem tudo”) de todo o mal que está ocorrendo e de suas origens. Resolve pois interferir junto a Hades para “negociar” um acordo com a deusa Deméter. Hades propõe então à Deméter que durante seis meses no ano permaneça Perséfone nos infernais subterrâneos, na companhia dele e que os outros seis meses, passe a jovem filha com a sua mãe Deméter, na superfície da Terra.

Deméter aceita a proposta e inverte o triste quadro de miséria em que se encontrava a Terra, fazendo-a retornar a sua antiga fertilidade, com as mulheres voltando á maternidade, as verdes folhas dos campos novamente tremulando ao sopro das frescas brisas e os rios transbordantes de vigor nos, novamente regulares, períodos das chuvas.


E, assim, anualmente, sempre na Primavera, quando as flores voltam a colorir os belos jardins dos campos de Deméter, retorna Perséfone à superfície da Terra. Vem sorver os luminosos raios de sol e, no aconchego carinhoso do calor materno, aí permanece por seis meses. Retorna ao Hades no período invernal, e, nos escuros e profundos subterrâneos infernais, em companhia do apavorante esposo, ali permanece por igual período. 

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