quarta-feira, 13 de novembro de 2013


9º TRABALHO
O CINTURÃO DA RAINHA
DAS AMAZONAS
O Mito

Corria uma lenda de que existia em longínquas regiões, onde, exatamente, ninguém sabia, o reino das Amazonas, temidas mulheres guerreiras, descendentes do deus da Guerra, Ares. Verdadeiras atletas, eram exímias e imbatíveis no manejo do arco e flecha e da lança. Usavam tais armas com impressionante destreza, quer lutando a pé ou montadas em fogosos e possantes corcéis que dominavam com enorme mestria.
Vendo-as cavalgando, em grupos nos constantes exercícios de combates que praticavam, ou isoladas, percorrendo, solitariamente os campos daquele curioso reino, lembravam ágeis centauros, mas elegantes e belas porque aureoladas pelo toque gracioso da feminilidade que elas, embora marcadas por uma prática de vida tipicamente masculina, não perdiam. Ao contrário, tais aspectos realçavam-lhes mais ainda a feminilidade, fazendo sobressair aquela beleza selvagem que muito encanta e atrai a admiração dos homens. Homens que não existiam no país das Amazonas, porquanto elas matavam qualquer um que, inadvertidamente, ousasse pisar no território daquele exótico reino; eliminavam, impiedosamente, no nascimento, todos os seus próprios filhos que não fossem do sexo feminino. E, para tê-los, (masculino ou feminino), saíam em bandos uma vez por ano, à caça de homens fora daquele reino, para a fecundação, gerando filhos que, sacrificados pela morte, sendo meninos; preparadas eram, para dar continuidade àquela estranha comunidade, se meninas fossem. E, para cumprirem com maior eficiência a missão guerreira de defender o seu reino, tinham as meninas, tão logo surgisse, amputado o seio direito, para que, livres deste, melhor pudessem manejar o arco. Originando-se desse costume a denominação de: “amazonas”, que significa: “mulher sem seios”.

Essas lindas e temidas mulheres eram governadas por uma soberana, a rainha Hipólita, filha de Ares, o deus da Guerra. Possuía, Hipólita, um lindo cinturão que lhe fora dado pela deusa do Amor, Afrodite. Encastoado no cinturão havia uma pedra detentora de uma força mágica que dava a quem o usasse o poder de liderar, comandar, governar...
Euristeu tinha uma filha, Edmeta, que era sacerdotisa do templo de Hera, em Micenas. Ambiciosa, sonha Edmeta ocupar, um dia, o trono do pai Euristeu, herdeira que era, por ser sua filha única. Ela sabe da existência do cinturão de Hipólita e das qualidades que ele transmite a quem o usar. Induzida por Hera, pede, então, ao pai, Euristeu, que mande Hércules buscar para ela, Edmeta usar, o cinturão da rainha Hipólita.
Hércules refaz-se das energias gastas na realização do seu último Trabalho. Anda descontraidamente pelas pradarias, pelas campinas do reino. Nesse contato com a natureza que tanto lhe é agradável, vai ele meditando, pensando, refletindo sobre os ensinamentos recebidos em cada Trabalho já realizado. Meditando... pensando... refletindo... vai, também, preparando-se para o enfrentamento de novas e futuras tarefas.

Um fato, porém, o está intrigando nos seus momentos de reflexão: a constante lembrança do olhar frio da morte encarando-o sinistramente no instante em que ele lhe arrebatou a rainha Alceste, no Trabalho anterior. Aquela imagem sinistra vinha com bastante e incômoda frequência invadindo os seus pensamentos e trazendo-lhe uma estranha apreensão. De repente, como a despertá-lo de suas reflexões e acordá-lo para a dura realidade das obrigações assumidas, ouve Hércules o chamado de Euristeu. Imediatamente apresenta-se em palácio. Euristeu sem qualquer rodeio, diz-lhe:

- Minha filha Edmeta quer o cinturão da Rainha Hipólita para usar. Vá buscá-lo!

Hércules curva-se submisso e dócil! Retira-se de Palácio e vai meditar, pensar, refletir... em como conseguir o Cinturão de Hipólita, a rainha das Amazonas. Primeiramente, pensa Hércules, teria ele que descobrir onde fica o tal reino, que ninguém sabe onde. Segundo, é que se falava serem as Amazonas grandes guerreiras, muito valentes. E o pior de tudo: eram mulheres! Enfrentar monstros gigantescos, derrotar homens poderosos e considerados invencíveis, eram tarefas que lhe agradavam imensamente realizar. Mas lutar contra mulheres, iria exigir de Hércules, realmente, um esforço muito grande. Pela primeira vez, um Trabalho dos determinados por Euristeu, trouxe-lhe um grande desgosto e apreensão.

Assim pensando, lembrou-se Hércules de outro grande herói grego, seu primo e amigo, Teseu. Rei da Ática por herança da morte do pai, o rei Egeu, negara-se Teseu a assumir o trono. Transformou a Ática numa verdadeira Democracia, onde os cidadãos livremente escolhiam os seus governantes. Reservara Teseu para si, apenas o título de comandante-em-chefe das forças de segurança do reino. Em Teseu, juntavam-se a força física e o aspecto intelectivo. Era ele considerado o mais belo de todos os heróis gregos, amado por todas as mulheres atenienses, sobre as quais exercia enorme fascínio, possuidor que era, segundo diziam, de profundo conhecimento da natureza feminina. Resolve Hércules, aconselhar-se com Teseu e lhe expõe suas apreensões em relação ao enfrentamento das Amazonas. Teseu o ouve atentamente e diz-lhe:

- Essas mulheres, dizem, são muitas; são valentes; são destemidas... mas são mulheres! E, a mulher, somente se conquista pelo amor, que é a sua própria essência. Talvez encontremos um jeito de conseguir o Cinturão por outros meios que não seja a violência. Se você quiser, Hércules, eu irei com você nesse Trabalho. Eu tenho muita curiosidade em conhecer essas Amazonas!

Hércules aceita o oferecimento de Teseu e convida outros heróis gregos para acompanhá-lo na aventura, tão logo descubra onde exatamente, fica o tal país das Amazonas. E procura por toda parte do mundo (então conhecido). Vai à região Norte; vai ao Sul. Vai ao Oriente. Vai ao Ocidente e nada de encontrar a menor pista que lhe possa ajudar. De repente ele pensa: “E se não existir tal reino? Onde vou eu buscar o Cinturão?!” Resolve, invocar o deus Hermes (que já o ajudara no episódio das Aves do Lago Estínfalo.

O deus Hermes é o mensageiro do Olimpo. Com suas asinhas nos pés, percorre, velozmente, todo o espaço, vai a toda parte, conhece os confins da Terra. E Hermes, então, informa a Hércules que o procurado reino das Amazonas situa-se “nas paragens de um pequeno rio chamado Termodonte, perto de Temiscira, na região do Ponto, na Ásia Menor, nas proximidades do Ponto Euxino”. Para chegar lá teria Hércules de atravessar o Rio Oceano (como era então chamado o atual Mar Mediterrâneo) e, para isso, precisava de uma embarcação. Invoca, Hércules, o deus Apolo (que também o ajudara no episódio das Aves do Lago Estínfalo) e pede ao deus para emprestar-lhe a Barca do Sol (embarcação que, acreditava-se então, conduzia o Sol durante a noite, por sob o oceano – quando ele se punha no Ocidente – levando-o de volta para o Oriente a fim de reiniciar a sua jornada no outro dia).

Apolo atende ao pedido de Hércules fazendo descer a Barca, no mar à sua frente e ele, seus amigos convidados, todos heróis gregos, embarcam nela, à exceção de Teseu, que prefere ir na sua própria embarcação. Saem todos aqueles heróis, homens acostumados ao enfrentamento constante de aventuras e perigos, todos cheios de curiosidades sobre o reino daquelas mulheres indomáveis.

As barcas, a do Sol e a de Teseu, singrando as águas do Rio Oceano, navegavam tranquilas, impulsionadas pelos calmos ventos que as levam à distante Ásia Menor. E nessa direção, após muitos dias e noites de navegação, aproximam-se da “região da Temiscira, nas imediações do Reino do Ponto, no encontro do rio Termodonte, com o mar”. Entravam, assim, em territórios das lendárias Amazonas.

Discutida a estratégia do desembarque, traçada por aqueles homens, quase deuses, acostumados a arrostarem perigos e lutas, revestia - se de total perfeição; de segurança plena quanto ao retorno em caso de um insucesso na pretendida e
mpresa. Embora fossem mulheres - pensam eles com desdém – “são elas as Amazonas!...”
Ao pisarem em terra, enorme surpresa os aguarda! A própria rainha Hipólita, acompanhada de pequeno séquito, porta-se na praia, numa amistosa recepção aos heróis que chegavam. Afrodite, a deusa do amor, que doara o Cinturão a Hipólita, aparecera-lhe em sonhos e lhe falara da chegada dos heróis e da finalidade da visita. Aconselhara a deusa Afrodite a Hipólita entregar pacificamente o Cinturão a Hércules, o que é feito, ali mesmo na praia, sem o menor constrangimento, num clima de muita cordialidade, passados os instantes iniciais dos primeiros contatos entre aqueles diferentes grupos.

A beleza de Antíope, influente amazona do séquito de Hipólita, atrai logo a atenção de Teseu: seu porte belo e altivo; tez bronzeada pelo sol daquela terra selvagem; cabelos negros despontando, rebeldes, por sob “um elmo feito de plumas brilhantes - que indica sua alta dignidade no reino”; usa, Antíope, trajes feitos com peles de animais ferozes que presas no ombro esquerdo – transpassando na cintura – caem até os joelhos e deixam à mostra, toda a parte direita do seu lindo corpo, com um toque de grande sensualidade. Aquela beleza selvagem a confundir-se com a própria, também selvagem, paisagem, forma, aos olhos de Teseu, um lindo e estonteante conjunto. O pensamento do jovem herói grego se perde em devaneios e um súbito sentimento de intensa paixão por aquela mulher, o envolve perdidamente. Acostumado a pensar e agir, resolve ele, de pronto, não deixar aquele reino, sem, antes, ter nos braços, aquela mulher: guerreira - deusa - rainha, que em tão pouco tempo o enfeitiçara.

Antíope, fascinada pela beleza de Teseu, esquece, por completo, tudo o que aprendera sobre o relacionamento das amazonas com o sexo masculino. Ao vê-lo, é envolvida por um forte sentimento de amor que a faz esquecer tudo o que, até então, pensara sobre os homens. Descobre, naquele instante, maravilhada pelo amor, haver, entre homens e mulheres, fortes e misteriosos laços que regem, do mais profundo destes seres, os seus mútuos relacionamentos. Enlevada, aprisionada, envolvida na teia daquele estranho sentimento, quase não consegue resistir à inexplicável força que a impele na direção daquele homem que a poucos metros em sua frente, desnuda-a com o seu olhar cheio de paixão e volúpia.
O ato da entrega do Cinturão planejado pelas Amazonas para ser curto e breve – superados os primeiros momentos de natural tensão – transforma-se num clima de descontraído congraçamento e se prolonga por muito mais tempo do que o planejado. Tal prolongamento começa a inquietar um grande número de Amazonas, que a uma certa distância, na praia, armadas de lanças e flechas, observam nervosamente o desenrolar daquele encontro.

Embora Afrodite, a deusa do Amor, tenha dito, em sonho, à Hipólita, ser a missão dos heróis de natureza pacífica e que visava tão-somente conseguir o Cinturão, aquelas guerreiras ali postadas, armadas de lanças e flechas, receberam ordens de entrar imediatamente em ação caso percebessem qualquer anormalidade naquele encontro entre os dois grupos.
A cada instante em que se prolonga mais o ato de entrega do Cinturão, mais cresce entre as guerreiras de prontidão, a inquietação pela segurança da rainha e de suas principais líderes. Acostumadas a verem nos homens o grande inimigo e a trucidá-los sumariamente quando encontrados nos seus territórios, não entendem o que está ocorrendo naquela ocasião, a alguns metros, ali na praia.
Ao imaginarem o grande perigo que estaria correndo Hipólita, sua rainha, cercada por aqueles homens musculosos e armados, enorme apreensão e desconfiança toma todo aquele grupo de guerreiras. Uma tensão nervosa - de envolvimento coletivo - crescendo cada vez mais, cada vez mais forte, torna quase insustentável aquele clima de angustiante expectativa.
Enquanto isso, o congraçamento dos dois grupos é cada vez maior e seus integrantes já se misturam sem a menor preocupação quando à segurança. Do local onde se encontram de guarda as guerreiras, parece, por um instante, que o séquito de Hipólita é todo envolvido pelos heróis. Um frêmito de histeria coletiva envolve todas aquelas guerreiras em guarda e, de repente, um grito, entre elas, soa nervoso:

- Vão raptar Hipólita!

No mesmo instante, como um só corpo, u’a multidão de enfurecidas Amazonas parte, rápida, em direção aos heróis, desfechando-lhes um violento ataque. Hércules e seus companheiros, já de posse do Cinturão, ato contínuo, revidam ao ataque. A grande experiência adquirida em árduos combates, a força conseguida em anos de constantes práticas de lutas, a argúcia daqueles homens forjados no fogo das batalhas, impin- gem, apesar da grande inferioridade numérica, enormes baixas às guerreiras Amazonas.

Hipólita sem entender o que está acontecendo, corre, rápida, na direção de suas subordinadas, gritando, desesperadamente, que cessem o ataque. Seus gritos, porém, são abafados pelo fragor da luta. Hércules, pensando ter sido traído pela rainha, atira-lhe certeira flecha que a faz cair, agonizante, entre as suas próprias companheiras. Ferida de morte, na praia, a rainha Hipólita e mortas suas principais líderes, as guerreiras suspendem o ataque e recuam. Em volta da sua rainha agonizante, ainda puderam ouvir desta, num último esforço, que não houvera a tentativa de sequestro, mas a celebração de um ato amistoso. E que os heróis sejam tratados como amigos. E morre ali mesmo.

Hércules, sentado num tronco de madeira, na praia, olha, parado, absorto, o Cinturão em suas mãos. Não pronuncia uma só palavra. Desde o término da batalha que um profundo mutismo envolve todo o seu ser. Arrasado, desesperado, não consegue entender porque teve ele de matar Hipólita! E no seu profundo desgosto reflete: “Ela não o atacara em nenhum momento. Ele já estava na posse do Cinturão e o seu grupo retornaria ileso às embarcações, se precisasse usar um recuo estratégico”. Seu desgosto atingiu o desespero quando Teseu comentou que durante o combate, nos momentos em que Hipólita ainda estava perto deles, ter ouvido, por várias vezes, a voz dela, gritando em vão, para as guerreiras cessarem o ataque.
Grande e tormentosa é a expectativa de Teseu em relação à Antíope. Hipólita estava morta, hipótese facilmente presumível, tendo em vista o poder de pontaria de Hércules e os lamentosos gritos que partiam do local onde Hipólita caíra. De Antíope, ele nada sabe. Estaria ela morta, também? Estaria ferida? Profunda angústia o invade. Lembra-se que momentos antes do louco ataque das guerreiras, iniciavam os dois – ele e Antíope – animada conversa. Ela falando dos hábitos e costumes do seu reino e demonstrando grande interesse pelas aventuras dos heróis gregos, das quais já ouvira falar, quando, inesperadamente, o ataque irrompeu e a confusão do combate os separou.
A custo continha Teseu, o enorme ímpeto de correr até ao local onde se encontravam as Amazonas e procurar Antíope. A prudência, porém, mandava que aguardasse o desenrolar dos acontecimentos. Uma coisa, entretanto, ele já havia deliberado: não sairia dali até que obtivesse notícias de Antíope. E se ela estivesse viva iria procurá-la. Não sabia, ainda, de que maneira e como iria agir. Nem sabia como agiriam as Amazonas, após o verdadeiro massacre que sofreram com a morte de sua rainha e de muitas de suas companheiras.
Ali mesmo na praia, reuniram-se os heróis, e Teseu demonstrou logo a intenção de não partir, de ficar, aguardando os acontecimentos, já que ele dispunha de sua própria embarcação, liberando, para voltarem, os demais companheiros. Estes também resolveram não partir, aguardando ali, com Teseu, os acontecimentos.

Voltariam todos às embarcações, mantendo uma constante vigilância para evitar qualquer surpresa, mas não fariam ao largo, permaneciam próximos à praia. Eles sabiam que as Amazonas, poderosas em terra, não se aventurariam a um ataque às embarcações, vítimas fáceis que seriam das certeiras setas atiradas dos barcos, nem tentariam uma abordagem, tendo em vista o poder destruidor das clavas dos heróis. Hércules continuava no seu mutismo. Não dizia uma só palavra. Não saía do seu pensamento a última visão que teve de Hipólita. Ela correndo de braços abertos, levantados, em direção às companheiras que combatiam, tombando fulminada pela mortal seta que ele mesmo atirara. Voltam os heróis às embarcações e as colocam em estratégica posição de melhor defesa em caso de um ataque, mantendo permanente guarda, e esperam.
Em terra, após o ritual fúnebre de cremação do corpo de Hipólita e das companheiras mortas, realizados um dia após a morte – de acordo com costume local – reúnem-se as Amazonas em Conselho para discussão e adoção de medidas emergenciais, no tocante à escolha nova Rainha. Resolvem indicar Antíope – que saiu do ataque ilesa – para substituir Hipólita temporariamente, até que, tranquilamente, pudessem deliberar sobre a escolha definitiva da nova soberana.

Resolveram reconhecer ter sido o tresloucado ataque o único responsável pelo morticínio. Concordaram em acatar a última recomendação de Hipólita no sentido de serem os heróis gregos recebidos como amigos. Deliberaram, ainda, que a partir de então, os homens não mais seriam hostilizados no reino das Amazonas, podendo ali conviverem pacificamente, lado a lado, em igualdade de condições com as amazonas, gerando, com elas – filhas ou filhos – que não mais seriam sacrificados. Resolveram, também, mandar u’a mensageira às embarcações dos heróis, informando-os das medidas que foram aprovadas na reunião do Conselho.
A aproximação do pequeno barco conduzindo a mensageira das Amazonas criou uma grande expectativa a bordo, entre e os heróis. À exceção de Hércules que continuava em seu profundo mutismo, todos os outros, a bordo, aguardam ansiosos a chegada do pequeno barco. Teseu, envolvido por sua grande expectativa, ávido por notícias de Antíope, foi o primeiro a ir ao encontro da mensageira. Com a respiração presa pela ansiedade, ouvia, a custo, as mensagens trazidas. Somente se tranquilizou quando soube que Antíope nada sofrera e que, na condição de rainha, o convidava para uma visita ao reino. Ali mesmo despediu-se dos amigos. Vai conhecer o lendário reino das “mulheres guerreiras” e encontrar-se com Antíope, a amazona que o encantara à primeira vista.

A “Barca-de-Apolo” singra, com suas brancas velas, as águas tranquilas e azuis do “Rio Oceano” (O mar Mediterrâneo), de volta ao território grego. A bordo vai Hércules prisioneiro de grande pesar, envolvido pelo seu profundo mutismo. Ele sabe que a morte de Hipólita, nas condições em que ocorrera, representa um imenso retrocesso – uma queda na subida dos degraus que o levarão à ascensão, à imortalidade. Só não sabe Hércules, de quantas encarnações na Terra vai ele precisar para resgatar o denso carma gerado com o seu irrefletido ato, e que ele julgava incapaz de cometer, no estágio de evolução espiritual em que, presumivelmente, encontrava-se.

A barca aporta em Micenas. Salta Hércules levando, nas mãos, o Cinturão de Hipólita. Vai entregá-lo ao rei Euristeu e o faz sem uma palavra, preso ao mutismo gerado por um sofrimento que lhe corrói a alma. O trabalho foi realizado, mas o débito cármico contraído é muito alto. Sai Hércules, silenciosamente, de palácio. Vai para o campo. Vai, em contato com a natureza, buscar na reflexão, na meditação, a explicação para o seu absurdo comportamento.
Simbolismos e Ensinamentos

Hipólita foi vítima da repressão à sexualidade. O Cinturão simboliza o sensualismo, que é u’a manifestação da energia sexual, altamente poderosa e que permeia todo o universo. É a força criadora atuando tanto no macro, quanto no microcosmo. Intrinsecamente ligada à natureza humana, nela age de forma instintiva, manifesta-se das mais variadas maneiras, na maioria das vezes, a nível do inconsciente. Sendo energia, não é boa ou má. Tais qualidades afloram a depender de sua manipulação ou uso. Daí a cuidadosa necessidade de uma permanente vigilância não apenas no seu uso – em nível do consciente – como no desenvolvimento de uma percepção que leve mais facilmente à identificação de suas manifestações mais veladas.

Os ensinamentos tântricos e, ultimamente, certas entidades ditas esotéricas de formações mais recentes –  espalhadas por vários países - ensinam ser a prática sexual o único meio de o ser humano alcançar a iluminação. Isto pode até ser verdade quanto ao – meio – mas não quanto ao – “único meio”. E, se for um meio, é o mais perigoso de todos os meios, porquanto o poder da energia sexual é muito forte – envolvente – e o aspirante à iluminação espiritual pode, facilmente, perder-se no caminho de sua prática com tal finalidade. A sexualidade é um meio para leva o ser humano à iluminação quando transmutada em profundo amor, numa sublime troca de sentimentos entre seres humanos que se doam mutuamente.

Poderá a sexualidade levar, ainda, o ser humano à iluminação quando sublimada pelo amor universal que leva à solidariedade humana e à prestação de serviços desinteressada ao próximo, sem – necessariamente – passar pela prática sexual como “único meio” que – por si mesmo – possa conduzir o praticante na busca da iluminação. Daí a necessidade de serem recebidas com enorme cuidado as promessas “iluminativas” dessas entidades que, pela inconsciência de seus “mestres”, ou com plena consciência deles (o que é pior, porque caracteriza a magia negra consciente), passam aos aspirantes, como dogmas, tais ensinamentos. Correm os riscos, tais aspirantes, ao porem em prática o que lhes é ensinado – de estarem trilhando um caminho oposto ao que buscam, perdendo-se, a cada hora, no escuro emaranhado das densas energias que os farão retroceder – talvez, em várias encarnações – no caminho da evolução espiritual que tanto buscam.

A relação sexual praticada – geralmente por mestres taoístas – sem a ejaculação, leva à longevidade, a autoconfiança, e, em certos casos pode até ajudar a resolver, preventivamente, problemas da impotência sexual masculina. Mas só deve ser exercitada obedecendo-se a determinadas orientações, porque tal prática vai despertar a Kundalini (o fogo serpentino) no chakra básico que, uma vez desperta, sobe para os chakras superiores. Se a passagem (os chakras superiores) estiver bloqueada, ela, com a sinuosidade dos seus movimentos (daí chamar-se fogo serpentino), rasga passagens, dilacerando, por vezes, órgãos do corpo humano, acarretando sérios danos à saúde, e até morte.
Sobre sexualidade, vale a pena transcrever um texto de autoria de Layna Verin: “Nossa sexualidade é o mais profundo e primaz impulso que possuímos. Reprimida, ela drena nossas energias vitais e enfraquece todas as nossas faculdades do corpo e da mente. Satisfeita, ela se torna uma grande força criativa e regenerativa. A liberação sexual não repousa no domínio de técnicas que veem nossos corpos como mecanismos de prazer, mas na percepção de que nossos corpos são sagrados e de que as relações sexuais estão participando da energia divina que anima o universo”.

O cinturão é, também, um símbolo da ligação (religião vem do latim religare) do ser humano com o mundo celestial. Nas ordens religiosas (franciscana, dominicana, etc) os sacerdotes usam o cinto com o significado simbólico de domínio sobre a força inferior – a força da matéria, a sexualidade, os vícios etc – pela força superior, a força espiritual. Até mesmo o hábito de cingir o umbiguinho do bebê ao nascer, tem, também, o significado simbólico de o ligar à força interior, uterina da mãe. O último elo de proteção direta da mãe ao filho é o cordão umbilical, que é substituído pelo cinto, uma espécie de extensão da proteção materna (o umbigo é uma região grandemente vulnerável do bebê) àquela vida, que ainda frágil, está se iniciando. Portanto, há no simbolismo do cinto (cinturão) uma relação muito próxima de ligação entre os mundos celestiais e a força criadora da matéria, representada pela energia sexual, e esta polaridade é unificada pelo poder supremo do amor.
A doação do Cinturão feita pela deusa do Amor, Afrodite, à Hipólita, significa, portanto, que a sexualidade deve ser usada tendo como um traço a ligar as duas polaridades, o amor: “Luz do coração que brilha nas trevas do ser e tudo transforma no tesouro dourado da mente de Cristo”; que homem e mulher devem aceitar-se como polos de uma única entidade que é o Ser Humano, numa integração mais espiritual do que física, numa só consciência, retomando, assim, a unicidade perdida na Raça Raiz – a Lemuriana. Por essa remotíssima época o homem deixou de ser um andrógino, transformando-se, então, num ser sexuado. A busca, através dos milênios, dessa unicidade perdida, gerou um imenso antagonismo entre as polaridades masculina e feminina, entre o homem e a mulher. Antagonismo este que se manifesta das mais variadas maneiras, inclusive pelo domínio do homem sobre a mulher, sustentado, através dos tempos, pelo maior poder da força física e de um racionalismo mais acentuado. A mulher, mais frágil fisicamente e dotada de maior capacidade intuitiva, de natureza mais amorosa, tenta sublimar a manifestação desse milenar conflito. Sublimação que não consegue apagar a pesada carga de ressentimento já embutido no próprio ser feminino e que se vai realimentando e fazendo crescer esse eterno antagonismo, verdadeiro entrave no caminho de todo aquele que busca a evolução espiritual.

Hipólita não entendeu o simbolismo do presente que a deusa do Amor, Afrodite, lhe fez. Filha de Ares, deus da Guerra, teve ela por herança uma natureza belicosa. Sendo mulher, portanto de natureza essencialmente amorosa, transforma-se em guerreira, invertendo a polaridade e fazendo surgir de tal inversão imenso desequilíbrio no seu reino. Embora amada pelas súditas – todas mulheres – mandava matar impiedosamente todos os homens que pisassem aquele território, desequilibrando as polaridades masculino/feminina, gerando violenta repressão às energias sexuais de todas aquelas mulheres.

Apenas uma vez por ano saíam, em bandos, à caça de homens – que matariam se os encontrassem no território delas – para a fecundação dos filhos (num relacionamento desamoroso) que seriam eliminados se machos fossem. A densa atmosfera formada por uma prática sexual exercida em condições tão odiosas, a impiedosa eliminação dos próprios filhos nascidos varões, práticas em tudo contrárias aos mais puros princípios da natureza humana, formavam uma forte e densa egrégora em todo aquele reino. Um pesado carma coletivo gerara-se por todo o seu território. Carma que criou as condições para acontecer a chacina sofrida por elas no combate contra os heróis gregos.
Com a chegada do grupo de heróis ao território das amazonas, grupo este portador de forte polaridade masculina, deu-se um violento choque com a polaridade da energia sexual feminina, reprimida, num processo de atração (natural) e repulsão (repressão), gerando a histeria coletiva que levou o grupo de guerreiras - quase enlouquecidas - ao enfurecido ataque.

Esse choque de energias com polaridades opostas envolveu Hércules. A sua missão era buscar o Cinturão da Rainha Hipólita, e ele já o tinha nas mãos. Em vez de, recebido o Cinturão reembarcar de volta à Grécia, deixou-se atrair pelas energias sexuais das Amazonas, a polaridade feminina. Caiu, assim, na cilada da deusa Hera que sabe possuir a energia sexual um imenso poder sobre as criaturas humanas. E Hércules não estava preparado para enfrentar este aspecto no caminho de sua busca evolutiva. Num momento de irreflexão, deixa-se levar pela emoção e mata Hipólita. A deusa Hera sabia disso, e por isso deslocou o seu ataque a Hércules para a perigosa área da sexualidade.
Daí a necessidade de uma permanente vigilância nessa área. Em qualquer nível em que esteja o caminhante em busca da evolução espiritual, deve manter-se sempre vigilante. Ele está sempre sujeito a ser envolvido por forças negativas, densas, fortes e capazes de fazê-lo retroceder no acesso ao patamar desejado. Quanto mais alto o seu grau de iluminação, maiores são os perigos de uma queda – e maior sua decida – pelo volume de conhecimentos que possui e maior responsabilidade que encarna.

Hércules ao matar Hipólita e ser responsável pela chacina ocorrida das Amazonas (foi ele quem levou os heróis ao reino de Hipólita) permitiu – por um momento de descuido – ser o instrumento da cobrança do pesado carma das Amazonas. Criou carma para os demais heróis gregos (que participaram da chacina) e tornou bem mais difícil sua própria ascensão, por haver gerado carma para si mesmo – matando Hipólita – acumulando com a parte que lhe couber, no carma contraído pelos heróis (com a chacina das Amazonas). A condição exigida para o ser humano galgar a ascensão e chegar à imortalidade – meta buscada por Hércules – é o equilíbrio cármico conseguido com o resgate de, no mínimo, cinquenta e um por cento do seu carma. Hércules, no nível de evolução espiritual em que se encontrava, sabia de tudo isso! Daí o seu profundo pesar face ao ocorrido.

Tais situações acontecem, muitas vezes, no dia a dia de nossas vidas. Quantas vezes, após fatos e atos que nos levam – arrebatados por emoções momentâneas – tomarmos atitudes – por vezes violentas até; cometermos insanidades que absolutamente não pretendíamos cometer, pararmos absortos, emudecidos, trancados dentro de nós mesmos e nos perguntar: “Por quê?! Por que razão eu tive que fazer isto?!” – a palavra de ordem é: “Vigiai! Vigiai, sempre!” - Hércules não vigiou!
Eis aqui mais uma vez uma conexão, um encadeamento dum episódio e outro dentro do mesmo Mito. Hércules, no Trabalho anterior, arrebata a rainha Alceste das mãos da morte salvando-a. Neste Trabalho ele mata uma rainha. No dia a dia de nossas vidas também esses encadeamentos acontecem. Um fato ocorrido se liga a outro – às vezes imediatamente, às vezes decorrido longo tempo. Há sempre, com bastante frequência, uma correlação entre um fato e outro fato e quase sempre, nem sequer notamos.

Tais ocasiões quando ocasionalmente observadas são tachadas de “coincidências” e, via de regra, nem percebemos a conexão que entre elas existe. A constante e incômoda lembrança do olhar frio da morte encarando Hércules sinistramente no instante em que ele arrebata-lhe a rainha Alceste, (no Trabalho anterior), é um aviso de existência dessa conexão. Da relação que existe entre um episódio e outro no decorrer de nossa vida diária. Se Hércules houvesse percebido tal conexão entre os episódios e não apenas ficasse intrigado com a “incômoda lembrança do olhar sinistro da morte”, teria se precavido contra qualquer manifestação de morte e, talvez, evitado matar Hipólita. A ordem continua: “Vigiai! Vigiai, sempre! ”
Nas práticas e rituais de determinadas linhas de candomblé é ensinado que a morte quando acionada para vir buscar um ser humano aqui na Terra, está obrigada a realizar a tarefa. Se, por acaso, não consegue levar o ser humano que lhe foi indicado, arrasta com outro ser no lugar dele, a fim de fazer cumprir o que lhe foi ordenado. Razão porque, nesses terreiros de candomblé – de determinada linha – quando os orixás percebem que o paciente corre perigo de vida, sacrifica, com a morte, um animal, para, assim, substituir o ser humano ameaçado. Ensinam, ainda, nesses terreiros, ser o pássaro chamado azulão, o que melhor se presta à sacrificial troca. O rei Edmeto não sabia disso...


No reino das Amazonas, em meio àquela guerra entre as polaridades – guerreiras versus heróis – dá-se o encontro Teseu/Antíope. A força do amor, surgindo como um divino antídoto a transmutar – no fogo da guerra – as densas energias que envolviam aquele cenário. Fazendo voltar àquela paisagem selvagem e bela a sublime e eterna existência do amor, que é a presença do próprio Deus. Conta a Mitologia Grega que, da união de Teseu e Antíope nasceu um filho chamado Hipólito. Teria sido uma homenagem a Hipólita? Certamente...

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