11º TRABALHO
OS BOIS VERMELHOS DE GERIÃO
O Mito
Disseram a Euristeu que numa distante ilha – não sabiam onde – habitava
um poderoso gigante por nome Gerião que lá morava e dominava como se fosse um
verdadeiro rei. Possuía tal gigante enorme e selecionado rebanho bovino, quase
todo roubado dos criadores vizinhos. Todos ali sabiam desses roubos, mas
ninguém tinha bastante coragem para enfrentar o poderoso ladrão. Além da enorme
força física, possuía, o descomunal Gerião, um corpo com três cabeças, seis
braços e seis olhos, que podiam funcionar com movimentos independentes entre
si. Isso dava ao monstruoso indivíduo enorme vantagem no manejo das lanças, dos
arcos e flechas que eram por ele usados simultaneamente com excepcional
perícia.
Possuía Gerião, - disseram a Euristeu – quatro enormes bois vermelhos
que parecendo ensinados, obedeciam enfurecidos – embora a ele submissos – às
ordens do dono. Assim obedientes iam às fazendas da região, destruíam
plantações e traziam, encurralados, para as pastagens de Gerião, os melhores
rebanhos da redondeza. Pretendia o larápio, desse modo, forçar os criadores
vizinhos a abandonarem suas terras para que ele as incorporasse aos seus
domínios. O rei Euristeu logo se interessa pelos quatro bois vermelhos. Pensa
ele: “com esses bois ensinados, eu mando destruir todos quantos, no meu reino,
se atrevam a desafiar o meu poder!”- Manda chamar Hércules.
Hércules, já há seis meses, desde o último Trabalho, descansa,
percorrendo as imensas pradarias do reino, em agradável contato com a natureza.
Enquanto perambula por aqueles campos cobertos de trigais, vai meditando,
refletindo, pensando nos conhecimentos já adquiridos no seu Caminho
evolucionário. Meditando, pensando sobre o triste episódio ocorrido com
Hipólita, resolve não mais usar suas armas. – clava, lança, arco e flechas – e
evitar, a todo o custo, matar qualquer ser humano. Estes seus pensamentos são
interrompidos pelo chamado de Euristeu. Segue Hércules para Micenas e, em
palácio, se apresenta ao Rei.
- Hércules, traga aqui, os Quatro Bois Vermelhos de Gerião! - Diz-lhe
Euristeu.
Hércules assente com a cabeça e se retira de Palácio. Vai meditar,
refletir, sobre o seu novo Trabalho e pensar no meio de executá-lo. Já ouvira
falar, vagamente, da existência desse tal Gerião e dos seus Quatro Bois Vermelhos,
mas não tinha a menor ideia onde eles viviam. Tenta lembrar-se de quem lhe
falara sobre eles e não consegue. Começa então sua busca, perguntando. Pergunta
a todos com quem se encontra. Mas ninguém lhe sabe informar. Resolve estender
sua pesquisa pela região sul e para lá se encaminha. Por onde passa, por mais
que pergunte, ninguém lhe dá qualquer notícia de Gerião. Depois de percorrer
toda a região sul, volta a Micenas. Retoma suas buscas, agora caminhando na
direção da região norte. Anda pelas mais distantes paragens dessa região,
sempre perguntando, procurando, inquirindo. Os anos vão se passando, o tempo
correndo, sem, contudo, encontrar Hércules, qualquer pista que o leve a Gerião.
Cansado de tanto andar, desanimado de tanto procurar, volta novamente a Micenas
e dirige-se para o Leste. E a busca continua.
O cansaço cada dia é maior. Os anos continuam passando, ele continua
procurando, buscando, inquirindo, mas nenhuma notícia útil é obtida. Volta
Hércules a Micenas e lembra-se de que lhe falta ir ao Ocidente. E, ao
lembrar-se dessa região, um sentimento de desgosto lhe invade o ser. Foi nela
que ele conheceu e matou Hipólita, a rainha das Amazonas... Mas segue para lá.
Andando sempre, passa pelos mais longínquos pontos da região ocidental; percorre
a desértica região arábica estafado pela inclemência do rigoroso sol; anda pela
distante Líbia, e tem aí, a primeira notícia sobre Gerião e os seus Quatro Bois
Vermelhos. Informaram-lhe que o gigante procurado, vivia na ilha de Erítia, do
outro lado do Grande Oceano, o mar Egeu. Segue Hércules, agora mais animado, na
direção do mar Egeu. E, enquanto caminha, vai pensando em como resolver mais
este problema! Como atravessar o mar Egeu e chegar à ilha Erítia, onde vive
Gerião. Para isso, vai precisar de uma embarcação que o transporte pelo mar. À
beira-mar chegando, para Hércules. E, pensando... meditando... refletindo...
tenta encontrar um meio de solucionar o problema do seu transporte para a ilha
onde habita Gerião. Resolve, então, pedir ao deus Hélio, ao próprio Sol,
portanto, a sua barca emprestada. (A mesma que “transporta o deus diariamente,
à noite, por sob o mar, do Ocidente para o Oriente, a fim de recomeçar no outro
dia, a sua viagem pelo céu, do Oriente para o Ocidente”). Barca que já lhe fora
emprestada por Apolo para a trágica viagem de Hércules em busca do Cinturão de
Hipólita. Pede então Hércules ao deus Hélio que lhe empreste a sua Barca
Dourada.
O deus se nega atender ao pedido e Hércules sabe que tal negativa é
resultante da trágica ocorrência, do massacre das Amazonas. Insiste no pedido,
implora a Hélios que o ajude! Penitencia-se em rituais perante o deus, e se
compromete a não conspurcar novamente a Dourada Barca, com atos indignos. O
deus Hélio penaliza-se e faz descer bem à sua frente, no porto do mar Egeu, a
linda Barca. Hércules, humildemente agradece ao deus e embarca em direção à
Erítia.
Após navegar, cortando as águas azuis do mar Egeu, aporta à ilha.
Cuidadosamente, procurando sempre não cometer erros, informa-se sobre Gerião e
os seus Quatro Bois Vermelhos. E ali as informações são muitas e muito fáceis
de encontrar. Todos sabem da vida do desonesto gigante. Os Quatro Bois
Vermelhos existem e são terríveis! Devastam todas as plantações vizinhas às
terras de Gerião, cercam e conduzem os melhores rebanhos de gado das redondezas
para as pastagens do monstruoso ladrão. Tudo o que de Gerião disseram a
Euristeu, Hércules soube nas informações que obteve ali, na ilha. E soube mais:
ser Gerião um praticante de magia negra, possuindo grandes conhecimentos em
bruxarias; que dominava os seus Quatro Bois Vermelhos e o dragão de sete
cabeças que os guardava, usando o imenso poder mental que possuía. Conhecia,
Gerião, - informaram a Hércules – os poderes das forças ocultas, e inventara um
instrumento que, por ele acionado, emitia um estranho ruído. Tal ruído
despertava as sete cabeças do dragão quase sempre adormecido numa caverna.
Despertas, estas produziam um som que enlouquecia os Quatro Bois Vermelhos, mas
os mantinha dóceis ao feiticeiro – cumprindo, fielmente, todas as ordens dele
emanadas.
Hércules recolhe-se para refletir.. pensar... meditar...- “sem as suas
armas” – pensa – e ele jamais voltaria a usá-las, - como enfrentar todo o poder
de Gerião, já tão forte fisicamente e, - o pior - possuindo, como dizem, esse
grande conhecimento oculto?...
Pensando, meditando, refletindo... resolve ir até aos domínios de
Gerião, observar cuidadosamente o que lá ocorre, para, então, traçar uma
estratégia de ação. Mas, intuitivamente sabe Hércules que há de encontrar u’a
maneira de cumprir o seu Trabalho. Informa-se onde ficam as terras do terrível
gigante e espera anoitecer. Encoberto pela noite, parte Hércules, com imenso
cuidado, para o local onde, soubera, encontram-se os Quatro Bois Vermelhos e o
dragão de sete cabeças.
Lá chegando avista de longe os Quatro Bois Vermelhos pastando
calmamente. Mas não vê o dragão. Vê, próximas aos bois, duas cavernas, uma ao
lado da outra e deduz ser ali a morada do dragão de sete cabeças. Não muito
distante das cavernas, observa Hércules algumas árvores frondosas e vê nelas um
ótimo esconderijo para ele. Escolhe uma, a mais estrategicamente colocada. Com
incrível facilidade sobe ao mais alto ponto de sua frondosa copa e ali
instala-se mais ou menos confortavelmente. Fica aguardando os acontecimentos e
pensando, meditando, refletindo...
Enquanto aguarda os acontecimentos, ali em cima instalado, vai Hércules
preparando um plano de ação. “Se Gerião tem todo esse poder mental e
conhecimentos que dizem possuir, terei de anular a percepção dele em relação à
minha presença e o que eu vim fazer aqui. Para conseguir isso, terei de evitar
criar ansiedades, para que ele não capte as vibrações por elas geradas e
desconfie da minha presença”. - Pensa, Hércules. E a melhor maneira de
evitar-se gerar ansiedades é o relaxamento do corpo e o esvaziamento da mente,
pela meditação.
Hércules, então, sentado na mais frondosa copa de imensa árvore, medita,
enquanto, lá embaixo, pastando tranquilamente, estão os Quatro Bois Vermelhos.
Quanto tempo passou ali, Hércules não sabe. Mas transcorreu muito tempo. A
noite passou, veio o outro dia. Nova noite, novo dia. Os dias e as noites vão
passando e nada de novo acontece. Hércules lá de cima da árvore continua
meditando, pensando, refletindo...
Uma noite, entretanto, enquanto meditava na copa da árvore e a lua
passeava no céu meio encoberto por espessa nuvem, Hércules percebe que lá
distante, à esquerda do seu posto de observação, vem um homem em sua direção. Á
medida em que o homem se aproxima do local onde Hércules está, a forma dele,
iluminada pelo reflexo da luz da lua, vai se tornando mais visível a Hércules.
Era Gerião! Seu enorme corpo de gigante, sustentado pelas duas musculosas
pernas, estava todo protegido por uma couraça. Da parte superior do seu forte
tronco, saem seis braços e três cabeças, estas protegidas por fortes capacetes.
Dos seis braços, dois – esquerdos – seguram, com as mãos, um escudo cada um e
os dois braços direitos, seguram, cada um, pontuda lança.
Os dois braços restantes (direito e esquerdo) carregam um objeto de
madeira, de forma cilíndrica, parecido com um tambor. Encaminha-se aquela
estranhíssima figura diretamente para o local onde pastam os Quatro Bois
Vermelhos e senta-se numa pedra existente bem em frente às duas cavernas, de
costas para elas, colocando em sua frente o “tambor”, no chão. A luz da lua que
reflete, fracamente, porque meio encobertas por nuvens, dá a Hércules uma boa
visão do quadro que lá embaixo observa.
Gerião, sem abandonar por um só instante os dois escudos e as duas
lanças, começa a bater com as duas mãos restantes - intercalada e sofregamente
– na película do “tambor,” fazendo percutir, em rápida e irregular cadência, um
som rouco. Tão logo inicia Gerião o seu ritual sonoro, estridentes e
desarmônicos ruídos cortam o espaço, e emerge do interior de uma das cavernas,
o dragão, cujas sete cabeças, com as sete bocas escancaradas, emitem
descompassados sons, ao tempo em que vai fazendo permanentes círculos em volta
do feiticeiro, círculos que se completam sempre, com as suas entradas por u’a
mesma caverna e saída sempre pela outra, na mesma direção, da direita para a
esquerda.
Os Quatro Bois Vermelhos que estavam tranquilamente deitados, de
repente, como se fossem movidos por invisível comando, levantam-se a um só
tempo e começam a dar enormes mugidos, soprando furiosos, cavando o chão com as
patas dianteiras e investindo ferozmente contra tudo o que os circunda. Saem em
disparada, todos na mesma direção e velocidade, e somem lá no fim das
pastagens.
Enquanto desaparecem os Quatro Bois Vermelhos, continua o mesmo ritual
do mago negro e do dragão de sete cabeças. Gerião, batendo cada vez mais
aceleradamente o “tambor”, e o dragão, no ritmo das batidas, a dar voltas em
torno do feiticeiro, completando-as com a entrada sempre pela mesma caverna e a
saída sempre pela outra. Rodando em círculo sempre na mesma direção, da direita
para a esquerda e emitindo os estridentes ruídos.
Passa-se algum tempo. “Umas três horas, talvez”. - Pensa Hércules.
Decorrido esse tempo, do lado para onde foram os quatro bois furiosos, surge um
rebanho de gado, - umas cem cabeças de reses – que vinham à frente, tangidas e
acossadas pelos Quatro Bois Vermelhos. À medida que o rebanho se aproxima, o
mago negro vai aos poucos afrouxando as batidas no “tambor”, o dragão vai
diminuindo o volume nos ruídos que faz, até parar dentro da caverna. Com a
paralisação das batidas de Gerião e dos ruídos do dragão, os Quatro Bois
Vermelhos retornam à antiga normalidade. O gado que foi trazido em rebanho,
espalha-se pela pastagem. E tudo volta ao que era antes. A lua, agora sem
tantas nuvens para encobrir sua luz, ilumina melhor a pastaria, e Hércules, do
alto da frondosa árvore, contemplando aquela paisagem noturna, tem saudades dos
campos de trigais de Micenas, por onde caminha com frequência em suas
meditações.
Gerião, com suas quatro mãos, não abandona por um só instante os dois
escudos e as duas lanças. Com as duas outras mãos apanha o “tambor” e sai dali,
sem pressa. Toma a mesma direção de onde viera. Mas naquela noite, o seu
patrimônio foi aumentado em mais cem bois!
Distancia-se Gerião, enquanto Hércules começa a esboçar um plano de ação
para enfrentá-lo e levar dali os Quatro Bois Vermelhos. E raciocina então: se o
dragão entra por uma caverna e sai pela outra, é claro existir uma ligação
interna entre as duas cavernas... Mas, por que o dragão entra sempre por u’a
mesma caverna e sai – sempre – pela outra?... Resolve fazer logo uma
investigação na caverna de “entrada” do dragão, aproveitando – assim pensa –
estar o dragão adormecido com suas sete cabeças e sete bocas cansadas após a
estafante “cantoria” que apresentara.
Desce, então, do seu esconderijo lá do alto da árvore e,
sorrateiramente, vai se introduzindo na caverna, onde, presume, esteja
dormindo, cansando, o dragão e suas sete cabeças. E á medida em que vai andando
na direção do fundo da caverna, presume porque o dragão nunca sai da caverna
que entra. Ela vai se estreitando numa garganta até quase não permitir que o
dragão, pelas suas dimensões, possa fazer a volta dentro dela e sair por onde
entra. Ele é, assim, obrigado a ir sempre em frente e sair pela outra caverna.
Hércules vai avançando, pé ante pé, sempre muito cauteloso para não fazer
qualquer barulho e avista o dragão que dorme profundamente, com todas as sete
cabeças, no outro lado da estreita passagem, portanto já na outra caverna, a de
“saída”.
E, do jeito tão profundo como dorme o dragão, seria facílimo para
Hércules tocar dali os Quatro Bois Vermelhos, sem, nem mesmo acordá-lo. Mas
Hércules tem outros planos. Já não lhe interessa apenas, levar dali os Quatro
Bois Vermelhos de Gerião. Ele pensa, agora, em descobrir um meio de livrar os
habitantes daquela ilha, de tão monstruoso rei. E ali, naquele instante, como
um lampejo, uma ideia lhe surgiu:
- “Ele fecharia com uma pedra aquela estreita passagem que liga uma
caverna à outra. No próximo ritual do mago negro, quando o dragão saísse da
caverna onde dorme e para completar o círculo em volta do feiticeiro entrasse
na outra caverna, encontraria lá no fundo do estreito corredor, a barreira
vedando a passagem de uma caverna para a outra. Não podendo avançar mais e sem
espaço para retroceder, devido à estreiteza da gruta naquele lugar, ficaria,
ali, parado. Sem o retorno do dragão, Gerião certamente entraria na gruta –
para verificar o que houve. Hércules, então, rapidamente, vedaria, com pedras
(que havia nas imediações), a entrada das cavernas onde estavam os dois –
deixando-os presos lá dentro. Depois chamaria os habitantes da ilha – os
verdadeiros donos dos rebanhos de gado e das terras roubadas por Gerião – que
escolheriam, democraticamente, entre os habitantes da ilha – como fizera Teseu
– um rei justo e bom, penalizando, como quisessem, o desonesto Gerião”.
Com essa ideia na cabeça e antes que o dragão pudesse despertar, sai da
caverna. Com a sua força (literalmente!) “hercúlea”, arranca uma pedra das
várias existentes nas proximidades, no tamanho ideal, e, cuidadoso, veda
completamente a estreita passagem que liga internamente as duas cavernas,
enquanto o dragão – com as sete cabeças – continua o seu profundo sono.
Hércules volta, arranca mais duas pedras nos tamanhos ideais para o fechamento
das entradas das duas cavernas quando o feiticeiro entrar à procura do dragão,
e as coloca a uma certa distância, para evitar qualquer suspeita do
espertalhão.
Tudo preparado e tendo verificado não haver deixado qualquer pista de
sua atuação e presença, sobe novamente ao seu esconderijo e aguarda um novo
“recital ritualístico” do monstruoso mago. Passam-se dias e noites, e nada de
Gerião aparecer. Os Quatro Bois Vermelhos pastam durante os dias e dormem às
noites, tranquilamente como quaisquer animais comuns. O dragão nunca aparece.
Certamente continua “curtindo” aquele profundo sono de “dragão de sete
cabeças”.
Uma noite, contudo, enquanto a lua ilumina fracamente com sua luz fria
as imensas pastarias, Hércules percebe Gerião que surge do mesmo ponto de onde
aparecera da vez anterior. Aproxima-se do local de observação de Hércules,
portando as mesmas armas - escudos e lanças - e o mesmo “tambor”. Senta-se
exatamente como fizera anteriormente e inicia o seu estranho e mesmo ritual.
Mal aciona o “tambor”- com a percussão daquele som rouco - ressoa, como uma resposta
da caverna, o alto e irritante ruído, emitido pelas sete gargantas, das sete
bocas, das sete cabeças do dragão, que logo emerge da caverna onde dormia.
Como da vez anterior, faz a volta em torno do feiticeiro, sempre da
direita para a esquerda (movimento contrário ao dos ponteiros do relógio), e
entra na caverna, agora com a estreita passagem, lá dentro, vedada por
Hércules. Vai começar, então, a funcionar o plano de Hércules! Prepara-se este
para, tão logo o feiticeiro entre na caverna, ele tapar rapidamente a entrada
com uma pedra e depois tapar, também por segurança, com outra pedra, a entrada
da outra caverna, prendendo lá dentro o desonesto rei e o seu dragão de sete
cabeças. Mas, para evitar a ansiedade que o denunciasse à mente de Gerião, continua
Hércules meditando.
De repente, o plano de Hércules parece desmoronar-se. Aconteceu o que
ele não previra. O dragão de Sete Cabeças ao encontrar, no interior da gruta, a
estreita passagem vedada pela pedra que Hércules colocara, contrariamente ao
que Hércules imaginou, com o seu elástico corpo de serpente dera a volta dentro
da caverna e, surpreendentemente, emerge da mesma caverna onde entrara.
O feiticeiro, sentado de costas para as cavernas, não percebe a mudança
na rota do dragão e continua bater freneticamente no “tambor” fazendo percutir
aquele som rouco e enlouquecedor. Mas, o dragão ao sair da mesma caverna onde
entrara – agora andando num círculo da esquerda para a direita (movimento de
sentido igual ao dos ponteiros do relógio), já não emite mais aquele
desarmônico e irritante ruído anterior. As vozes emitidas pelas sete gargantas,
das sete bocas, das sete cabeças, ressoam agradavelmente afinadas, uníssonas,
formando um coral de suave melodia. Gerião, ouvindo aquela melodia, surpreso,
quebra a cadência nas batidas do “tambor”, perdendo assim, o controle mental
que tinha sobre os Quatro Bois Vermelhos.
Estes, já enfurecidos pelas primeiras batidas do “tambor” e sem qualquer
controle, avançam contra Gerião, despedaçando-o e ao dragão. Hércules de lá de
cima da árvore, assiste, tranquilamente, ao desenrolar de toda aquela cena.
Agradece, com muito amor, a enorme ajuda recebida dos deuses, e desce
calmamente da árvore de onde tudo presenciara. Destrói o “tambor”. Acerca-se
dos Quatro Bois Vermelhos que, agora, com a morte de Gerião, permanentemente
livres do seu diabólico poder mental, deixam-se conduzir docilmente para o
porto do mar Egeu, onde os espera a Dourada Barca do Sol, do deus Hélio.
Hércules, na partida, avisa aos habitantes da ilha que Gerião e o seu
dragão de sete cabeças estão mortos e que a população daquele reino escolha,
democraticamente, um novo rei que seja bom e justo e que devolva aos
verdadeiros donos, os rebanhos e as terras roubadas por Gerião.
Singrando as águas azuis do mar Egeu, a Barca-do-Sol, como um cisne
dourado, navega, tranquila, em direção a Micenas. Lá chegando, devolve Hércules
(com rituais de agradecimentos) a Barca Dourada ao deus Hélio e vai a palácio,
conduzindo os quatro bois vermelhos e os entrega ao rei Euristeu. Este, quando
fica sabendo que os bois estão mansos e dóceis, decepcionado, perde
completamente o interesse por eles. Devolve-os a Hércules mandando que dê a
eles o destino que quiser. Hércules os oferece à deusa Atena que os recebe,
colocando-os de volta nas pastagens do Olimpo, como filhos dos deuses, - porque
sendo elementais – espíritos da natureza (indevidamente usados pela magia negra
de Gerião), são partícipes diligentes na realização dos planos divinos.
Simbolismos e Ensinamentos
Os seis meses que Hércules passa meditando, pensando, refletindo...
Percorrendo as imensas pradarias do reino, significam o aprendizado que o ser
humano faz a partir dos seus próprios erros e fracassos. É na reflexão sobre
eles que o homem, buscando encontrar as causas que os geraram, descobre seus
próprios defeitos e limitações. E, identificando estes, conseguirá, exercitando
o poder da fé em si mesmo; com muita tenacidade, trabalho e perseverança,
superar as limitadas fronteiras da imperfeição. Superando-se, transformar-se-á
num poderoso instrumento do bem, colocando-se, desta forma, mais próximo de
Deus. É, o: “homem, conhece-te a ti mesmo,” funcionando como diagnóstico e
tratamento.
Hércules, do fundo do poço de sua infelicidade, lá atirado pela injustificável
morte de Hipólita – que ainda não esquecera – vai buscar na reflexão, na
meditação, as causas que o levaram àquela tragédia e resolve não mais usar
qualquer arma contra o ser humano. Identifica como principal responsável pelos
assassínios, morticínios e grande parte das violências de que são algozes e
vítimas os seres humanos, a posse de qualquer tipo de arma.
A simples posse de u’a arma caracteriza a intenção de matar e gera uma
energia negativa – a energia da morte – que envolve o portador da arma e o
predispõe a usá-la. Tal energia – poderosa – conduz o homem muitas vezes,
involuntariamente, ao assassínio. Quantas vezes uma pessoa usa mortalmente uma
arma, e depois – arrependida - não entende por que a usou? - Conscientemente
não tinha a intenção de usá-la, mas, ao portá-la, foi envolvido
inconscientemente pelas energias da morte, que a própria arma, por si mesma,
possui. Ela, (a arma) foi feita para matar! Tal envolvimento não acontece
apenas em nível individual, mas, também – e em proporções desesperadoras – nos
absurdos extermínios representados pela estupidez das guerras, que são
explosões dessas energias acumuladas nos grandes arsenais de todas as nações do
mundo!
Hércules decide não mais usar armas porque aprendeu a lição. No grau
evolutivo em que está, ele sabe que não mais vai precisar delas. Intuitivamente
percebe que vai atuar, a partir de agora, em outros níveis de energia onde o
poder banal da força física não prevalece. Sabe ele que os caminhos à sua
frente necessitam, para percorrê-los, que o buscador leve dentro de si, sutis
lampejos da intuição como guia; na aljava, as setas do conhecimento e o saber
como usá-las. E, como clava, um grande amor pelos semelhantes cultivado no mais
profundo do coração; e uma enorme vontade de praticar o bem, como único
objetivo.
O número 3 está simbolicamente ligado à criação universal, à
manifestação do Conhecimento. O Tao – Energia Primordial, o Número 1, o
Primeiro de todos ou tudo, dividiu-se em 2 – as polaridades positivo/negativo;
masculino/feminino; yin/yang – e formou o 3 (1 dividido por 2 = 2+1, o Tao,
sempre presente = 3), o Conhecimento manifestado. E o 3 formou todas as coisas.
As três cabeças de Gerião significam posse de forte energia mental
(energia é vibração, que permeia todo o cosmos). Não é boa, nem é má. É a
matéria-prima da qual se forma todo o universo e tudo o que nele existe. Bom ou
mau é o uso que dela se faz.
Os seis olhos e os seis braços de Gerião simbolizam possuir ele grande
nível de conhecimento das forças ocultas (olhos veem, mostram; braços executam,
ensinam pela experiência da prática). Nem sempre, entretanto, (e isto é bom ser
lembrado) quem possui grandes conhecimentos ocultos, é evoluído
espiritualmente.
É o caso de Gerião. Como todos os magos negros - praticantes da magia
negra - usa ele, os seus grandes conhecimentos ocultos egoisticamente, em
proveito próprio, causando grandes malefícios ao próximo – nesta e para futuras
encarnações – não respeitando o livre-arbítrio de cada um, nem distâncias, numa
prática em tudo contrária aos sublimes postulados das divinas hierarquias.
Usam, tais magos, as energias que permeiam todo o universo – e são, em
sua origem, divinas, porque emanadas da mente de Deus – de maneira deturpada.
Daí ser necessário um grande e permanente cuidado no envolvimento com
dissimulados mestres e “bondosos” gurus, que exibem sempre – muitas vezes com
fingida modéstia – seus conhecimentos, para melhor impressionarem às suas
crédulas vítimas e usá-las como passivos instrumentos de suas torpes intenções.
Duas pernas, coisa normalíssima num corpo humano comum, representam, em
relação às três cabeças de Gerião, um desequilíbrio entre a parte superior e a
parte inferior do corpo dele. Simbolizam um descompasso de funcionamento entre
os chacras inferiores (existentes na parte mais inferior do corpo) e os chacras
superiores, que funcionam na parte mais superior do corpo.
São, os chacras, (chacras, em sânscrito = roda) vórtices de
energia (vibrações) por eles captadas do cosmos e através deles absorvidas pelo
corpo humano. São em numero de sete os principais, simbolizados aqui, pelas
sete cabeças do dragão. Os inferiores captam energias mais densas. São eles: o
chacra da base, na região sacra; o da alma, nas proximidades do umbigo; o do
plexo solar, entre o umbigo e o coração.
Os superiores: o cardíaco localizado na altura do coração; o laríngeo,
na garganta; o do terceiro olho, entre as sobrancelhas; e o coronário, na
região craniana. São eles portais por onde penetram, nos seres humanos, as
energias cósmicas alentadoras de suas existências. Tem, cada um deles, atuações
específicas nas várias áreas do comportamento humano. O da base canaliza o fogo
serpentino da kundalini, a energia sexual, da Natureza, a semente da vida; o da
alma atua nos sentimentos; o do plexo solar no plano das emoções, dos desejos;
o cardíaco, no desenvolvimento do amor (no sentido universal); o laríngeo, no
fortalecimento da Palavra falada; o do terceiro olho, desenvolvendo as
qualidades da vidência, do conhecimento; o coronário, no desenvolvimento da
iluminação, da evolução espiritual.
No ser humano evoluído espiritualmente, os chacras, todos eles,
superiores e inferiores, funcionam em perfeita sincronia entre si, num total
equilíbrio de vibrações. Atuando cada um nas distintas áreas da natureza
humana, eles se conectam no interior do corpo e, embora girando, cada um, no
ritmo de suas próprias vibrações, devem manter u’a mesma sincronia entre si.
O chacra básico, onde se alojam as energias sexuais da kundalini, a
serpente da vida, a chama da Mãe Natureza, ele as recebe no ritmo cósmico do
compasso 4/4, e ao recebê-las em vibrações, (vibra+sons=vibrações) – tudo no
universo é vibração – gira, o chacra da base, as suas quatro pétalas – em forma
de raios – no sentido da esquerda para a direita, transferindo as vibrações –
já como energia - para os demais chacras, pela ordem de colocação dos
inferiores para os superiores.
As energias, mais densas nos chacras inferiores, vão sutilizando-se à
medida em que percorrem – harmoniosamente – os chacras mais superiores,
impregnando-se, por onde passa, das qualidades da natureza humana existente,
respectivamente, em cada chacra: no chacra da alma, os sentimentos; no do plexo
solar, as emoções; no chacra cardíaco, a transmutação da energia sexual – da
kundalini – em energia amorosa.
Por sua vez, o chacra coronário, do desenvolvimento espiritual, da
iluminação, situado no alto, na cabeça do ser humano, ao girar suas 972 pétalas
– também em forma de raios – capta as sutilíssimas vibrações emanadas dos
planos divinos. Remete-as, também, para o chacra cardíaco, fazendo-as passarem
– numa ordem decrescente – primeiramente pelo chacra do terceiro olho, (entre
as sobrancelhas), impregnando-se das qualidades menos sutis – em relação às
encontradas no chacra coronário - do conhecimento e da intuição deste chacra;
passam, depois, em idêntica situação, pelo chacra laríngeo, - da fé, da força
da Palavra falada, dos mantras e “bijas” – impregnando-se dessas qualidades.
Chegam, finalmente, ao chacra cardíaco e aí se encontram com o fogo
serpentino, a energia da natureza, da Mãe, a kundalini (a força sexual já
transmutada em energia amorosa). Dá-se, então, na altura do coração, “o
casamento alquímico da alma com o espírito”, união da energia amorosa – kundalini
– com as sutis vibrações emanadas dos planos divinos.
Dessa união nasce, na simbiose da Chama Trina formada pelo Poder,
Sabedoria e Amor, o sublime sentimento do Amor Universal, única força capaz de
abrir os portais do “Templo” e mostrar ao buscador os caminhos que o levarão à
divina plenitude. Mas esse grandioso encontro somente se dará se o chacra da
base receber as vibrações no ritmo cósmico da música das esferas no compasso
4/4 (“das canções devocionais originárias do Oriente ou dos minuetos convencionais
da corte francesa”), podendo, assim, “impelido por uma rotação no sentido
destro – da esquerda para a direita – produzir o compasso ¾ (da valsa) que é o
ritmo Alfa e Ômega no Tai-Chi, girando no centro do coração”.
Se, entretanto, o chacra básico recebeu um fluxo de vibrações negativas,
num ritmo contrário ao compasso em que deve funcionar (ruídos estridentes,
músicas com batidas irregulares como o “rock and roll”, músicas de “jazz”, o
tango, a música axé, a rumba, dentre muitas outras; certas batidas de atabaques
em determinados rituais de candomblé, que atuam violentamente na rotação do
chacra básico, invertendo, automaticamente, o sentido da sua natural rotação,
da esquerda para a direita). Com tal inversão no sentido da rotação do chacra da
base, o pretenso “filho de santo” ou dançarino é – instantaneamente –
arrebatado pelo estimulante – e repetitivo - ritmo, e dança numa espécie de
transe. Passados os momentos de arrebatamento – com maior ou menor duração –
cai ele em grande depressão, exauridas que foram suas energias pela deformação
do ritmo e pela inversão no sentido da rotação normal do chacra básico.
Esta inversão no sentido da rotação do chacra básico reflete,
automaticamente, no funcionamento dos demais chacras, gerando logo uma grande
desarmonia entre eles, e imediatamente desestabilizando aquele ser humano;
trazendo-lhe graves conseqüências psicossomáticas, porque atua diretamente no
seu duplo etérico, a sua própria matriz. Mas não fica somente nisso. A
desarmonia gerada, eliminando o sincronismo de funcionamento entre os chacras,
impede a ascensão da kundalini – a energia da mãe – mantendo-a prisioneira no
chacra básico.
As sutilíssimas vibrações dos planos superiores, a energia do Pai
captada pelo chacra coronário, ao chegar (na sua descida através dos chacras do
terceiro olho e laríngeo) ao coração (chacra cardíaco), não encontrando ali a
kundalini, a energia da Mãe, desce à procura da “noiva” pelos densos chacras
inferiores. Após percorrer os cada vez mais densos chacras inferiores e
impregnar-se das suas cada vez mais densas energias, vai encontrar kundalini,
“a noiva” adormecida – prisioneira - no chacra da base.
Tenta, a energia do Pai, subir de volta, mas já não consegue voltar
porque está impregnada das densas energias dos chacras inferiores e para, na
altura da cintura, formando aí o “cinturão eletrônico”, sedimentação de todos
os vícios, limitações e defeitos no ser humano, numa deturpação, numa inversão
total do plano original.
O encontro dessas duas energias – kundalini, a energia da Mãe, com as
vibrações dos planos superiores – a energia do Pai – tornadas densas nas
passagens pelos chacras inferiores (em condições deturpadas) nas regiões
inferiores do corpo humano pode gerar, naquele ser, determinadas degenerações:
na exacerbação dos instintos, nos sentimentos deturpados pelo egoísmo, nas
emoções incontroláveis, responsáveis por atos danosos, pelo desamor e
insensibilidade na relação – em todos os sentidos – com os demais seres,
humanos ou não.
Gerião, ao acionar o seu “tambor” no ritmo louco daquele compasso
invertido – numa prática de magia negra – inverteu, também, o sentido da
rotação do seu próprio chacra da base. Gerou, assim, desarmonia no
funcionamento dos sete chacras, representados pelas sete cabeças do dragão que
emitiam ruídos estridentes e descompassados. (Vibrações de energias deturpadas,
da mente de Gerião). Tais vibrações interferiam, danosamente, no comportamento
dos Quatro Bois Vermelhos (simbolizando os elementais) que, prisioneiros dos
sons divinos pervertidos pela magia negra, eram manipulados pela força mental
de Gerião e levados a cometerem, inconscientemente, todo tipo de maldades.
Quando, porém, o dragão de sete cabeças (os sete chacras) volta pela
mesma caverna onde entrara e caminha no sentido contrário ao que fora
programado por Gerião (caminha agora no sentido destro, da esquerda para a
direita, o sentido correto da rotação do chacra), capta de maneira invertida –
correta, portanto – as vibrações oriundas das batidas do “tambor”.
Ao captá-las de maneira correta, portanto, entra imediatamente no ritmo
cósmico do compasso 4/4 e passam a emitir (as sete bocas das sete cabeças) sons
harmoniosos e suaves. Tais sons, (por serem harmoniosos e suaves),
desestabilizam, por um momento, o poder mental de Gerião, (onde chega a luz as
trevas somem), que perde o controle sobre os Quatro Bois Vermelhos (os
elementais). Estes, sem controle, inconscientes, orientados para matar, (o
elemental não tem consciência do que faz; não tem consciência do bem ou do mal),
investem contra Gerião, estraçalhando-o e ao dragão de sete cabeças que
simbolizava o próprio feiticeiro. Morre Gerião – como todo mago negro – vítima
de suas próprias perversões.
Ensinam os conhecimentos esotéricos que a rotação (o movimento) no sentido
destro, da esquerda para a direita (movimento dos ponteiros do relógio)
funciona em equilíbrio com as vibrações cósmicas, com a “Ordem do Universo”;
que o movimento no sentido da direita para a esquerda (anti-horário) é o
caminho da desordem e do caos. Quando o dragão de sete cabeças, ao sair da
mesma caverna onde entrara, e para fazer o círculo em torno de Gerião, inverte
o sentido da direita para a esquerda (anti-horário) por este programado, entra
em equilíbrio (sintonia) com as vibrações cósmicas, (sentido horário), captando
as vibrações da ordem universal. Emitindo sons afinados e agradáveis, derrota o
caos e a desordem representados por Gerião e sua magia negra. (“Onde
chega a luz, acabam-se as trevas”).
Gerião escolhia sempre as noites de lua para a realização de seus
rituais de magia negra, porque é, a luz da lua, excelente auxiliar na
deturpação das energias dos planos mais elevados. Que pese a inspiração dos
poetas e artistas, é a Lua – ensinam Tradicionais Escolas de Mistérios – um ser
morto, um cadáver vagando, insepulto, no espaço cósmico, emanando toxinas para
os habitantes da Terra. A sensação de repouso ou de descanso (falsa) que se
sente após passar uma parte da noite - ou a noite toda - “à luz da Lua” é, na
verdade, um enfraquecimento pela drenagem das energias humanas feita pelas
toxinas emanadas do cadáver lunar.
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